Luanda - Este termo, de “Black Lives Matter,” surgiu na sequência do assassinato cruel do afro- americano, “George Floyd,” perpetrado pela Polícia Norte-americana, da raça branca. Literalmente, “Black Lives Matter” significa: A Vida de Negros Importa. Para dizer que, o assassinato do George Floyd foi apenas o culminar de uma série de homicídios cometidos por agentes da polícia da raça branca contra pessoas de raça negra, com cunho forte do racismo e do complexo de superioridade.

Fonte: Club-k.net

A morte barbara do George Floyd despertou a consciência do homem sobre o valor da vida humana, tendo-se transformado no movimento cívico, que expandiu rapidamente pelo mundo, clamando pela dignificação e valorização da vida humana. No fundo, este movimento cívico, de “black lives matter,” enquadra-se no conceito sociocultural da «Negritude», que alguns sectores em Angola desvirtuavam deliberadamente como sendo racismo. Aliás, mesmo hoje, esta escola doutrinária, não se identifica com o Movimento Universal da defesa da Negritude, que busca a valorização da raça negra e a proteção da vida humana, como sendo sagrada e inviolável.


Importa sublinhar que, a Negritude, desde início, sempre foi defendida por políticos, intelectuais e académicos negros, brancos e mestiços. Da mesma forma que está acontecer agora com o Movimento Universal de “Black Lives Matter,” que tem estado a ganhar raízes profundas em muitos Países Africanos, com a excepçâo de Angola, na qual se verifica a indiferença absoluta.


Infelizmente, nos Estados Unidos da América os assassinatos contra os afro-americanos continuam intactos. Veja que, no dia 23 de Agosto, deste ano, os agentes da polícia (brancos) norte-americanos, em Kenosha, mataram um jovem negro a queima-roupa, “Jacob Blake”. O jovem foi retirado a força do seu carro, na presença da sua esposa e filhos, e enfiaram-lhe sete tiros mortais. Através do vídeo que circula na comunicação social, vê-se nitidamente todo o cenário de como ele foi puxado do carro e morto impiedosamente ao lado da porta.


A minha inquietação consiste no facto de que, em Angola, o fenómeno de assassinatos cruéis contra civis inocentes atingiu os níveis alarmantes. Quase em cada dia regista-se homicídios violentos cometidos por agentes da polícia e outros serviços de segurança, que operam secretamente. Parece que, embora a comunicação social tem feito o seu trabalho de divulgar massivamente esses actos criminosos, a classe política angolana e a sociedade civil remeteram-se ao silêncio. Na verdade, se olhar para trás, desde a Era do Presidente José Eduardo dos Santos, sempre registaram-se actos sucessivos de mortes a queima-roupa nos bairros periféricos, perpetrados pelos agentes da polícia e dos serviços secretos. Na altura falava-se da existência da «Esquadra da Morte», de que havia uma «lista negra» que continha os nomes das pessoas por serem eliminadas fisicamente.


Aliás, na primeira legislatura, de 1992-2008, o Deputado Victória Pereira do Mac Mahon, do Grupo Parlamentar do MPLA, em plena sessão plenária da Assembleia Nacional, em tom áspero, tinha declarado que, existia uma «lista negra» que continha nomes de pessoas por serem eliminados fisicamente. De acordo com falecido Dr. Mac Mahon, que a terra seja-lhe leve, a lista negra alterava-se regularmente em termos do conteúdo e da precedência da execução, de acordo com as orientações emanadas superiormente. Lembre-se do “Massacre da Frescura”, no município de Sambizanga, em 23 de Julho de 2008, quando sete jovens, em pleno lazer, jogando o xadrez, foram baleados a queima-roupa por sete agentes da polícia, dos quais o tribunal absolveu meramente, a coberto do Estado. Além do massacre da frescura,
que sacudiu a cidade de Luanda, existe uma série de crimes cometidos pelos agentes da polícia e dos serviços secretos que continuam sem esclarecimento plausível.


Nesta fase da crise global, que afecta todo o mundo, o quadro da criminalidade e de assassinatos atingiu os níveis inaceitáveis. O povo vive o drama da pobreza extrema, da fome, da miséria, da penúria, do desemprego e da repressão. Os munícipes, sobretudo dos bairros de Luanda, não têm a tranquilidade, vive no terror e na violência permanente. Os maginais tomaram conta dos bairros. O Estado ficou impotente e inerte. Os agentes da polícia, os serviços secretos e os fiscais aproveitam-se disso para pescar em águas turvas, fazendo desmandos. O povo está entre a espada e a parede. O que é chocante é que, de acordo com a população local, a polícia e os serviços de segurança conhecem os marginais e os seus esconderijos, mas não existe a vontade de agir, prender e trazer à barra dos tribunais.


Parece que, existe a cumplicidade entre os marginais, a polícia e os agentes secretos. Na Itália, por exemplo, a Mafia tinha a cobertura de detentores de poderes político, económico e financeiro, através dos quais traçavam a estratégia, concebiam os planos, estabeleciam os programas e mandavam executar. Por ironia, a Mafia Italiana chegou ao ponto de domesticar o Estado, influenciar a nomeação dos governantes, financiar os candidatos influentes, manipular os processos eleitorais e ditar as regras do jogo.


Em síntese, a questão fundamental consiste em saber, se a cultura de violência contra os cidadãos indefesos representa a «Doutrina do Estado», ou é a «Ineficácia dos Aparelhos do Estado», que perderam o controlo da situação e gerou a anarquia total? Pois, nos Estados Unidos da América é sabido que, os assassinatos dos negros é institucional, funda-se no racismo, ligado à escravatura, que nutre a suposta superioridade da raça branca.


Logo, fica difícil, um Estado da maioria negra, como Angola, defender a causa da raça negra, se dentro da sua sociedade os seus cidadãos são assassinatos todos os dias, e o Estado fica com as mãos cruzadas. Repare que, os regimes autoritários têm as mesmas características do fascismo que se viveu na Europa, na Asia e na América Latina. Portanto, esta cultura de mortes, que se afirmou no país e cresce gradualmente deve merecer atenção especial da classe política, das igrejas e das organizações cívicas. Pois, os tribunais ficaram neutralizados, domesticados e instrumentalizados, sem capacidade de administrar a justiça, de acordo com a lei. As pessoas estão sendo mortas cruelmente, e tudo fica em águas de bacalhau, ninguém toma medidas, enquanto o povo fica a gritar no deserto, clamar pela justiça, que no fundo não existe.


Nesta problemática, a minha percepção é de que, algo esteja mal e deve existir uma política bem definida que é executada de forma subtil, dando a impressão de que, são apenas casos isolados, e que não têm nada a ver com o poder político. Porém, pelos factos em presença, é bem provável que, à revelia da Constituição, exista uma «lei oculta», da «pena capital», que protege os agentes operativos e os seus acólitos.


Este cenário triste caracterizado pela fome, pobreza extrema, violência gratuita, corrupção e opressão, de facto revolta a consciência de um nacionalista e patriota como eu, que na flor da idade levantei-me e peguei na zagaia, no mufuka e na bengala para enfrentar o Exército Colonial Português na Frente Leste de Angola. Na base da Luta de Libertação Nacional o Poder Colonial Português foi militarmente derrotado no dia 25 de Abril de 1974, dando a expectativa de erguer uma Nação livre, justa, igual, democrática e próspera. Infelizmente, a luz da liberdade e do progresso continua estar bem distante no horizonte. Logo, o grande desafio do Século XXI é de despertar a consciência dos Povos Africanos de que, o Continente Berço da Humanidade está novamente colonizado, escravizado e oprimido. Levantai-vos pela dignificação da África!


Luanda, 29 de Agosto de 2020.