Lisboa - Como resultado das medidas de austeridade que o estado angolano adopta, em tempo de crise, um braço de ferro pode eclodir, na magistratura militar de Angola, entre o presidente do Tribunal Supremo Militar(STM), general Cristo António Salvador Alberto e os funcionários militares e trabalhadores civis que esta quarta-feira viram os seus salários cortados, segundo denúncias de funcionários.
 
*José Dala
Fonte: Club-k.net
“Podemos estar a assistir o início de uma grande revolta”, disse a fonte que pediu para ser mantida no anonimato. Ela prevê a paralização em breve dos tribunais militares no país.
 
Em causa, segundo os denunciantes, andariam os actos orientados pela nova presidência do Tribunal Supremo Militar que desrespeitariam os decretos presidenciais, despachos do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA) e ameaçam despedimentos em massa do quadro civil, além da retirada dos subsídios de justiça aos oficiais de justiça, depois de terem operado um corte salarial, profundo que consideram injustificado.
 
Ninguém esteve disponível para reagir às denúncias na Direção do STM.
 
Os contestatários dizem que os subsídios estão aprovados na actual Constituição da República de Angola e falam na existência de cerca de 350 militares, dentre os quais constam oficiais superiores capitães, subalternos e sargentos, para além dos 150 trabalhadores civis.
Benefícios injustos
 
Os protestos emergiram quando se descobriu que o actual juiz presidente do STM goza de um salário de 4 milhões e 520 mil kwanzas com direito a 3 empregadas domiciliares que recebe do Supremo Tribunal, além do salário de 720 mil kwanzas que aufere do Estado Maior General das FAA e com direito a 3 empregadas domésticas.
 
Quando os seus benefícios são mantidos, ele ordenou a suspensão dos subsídios dos oficiais de justiça e trabalhadores civis do STM. “Imaginem vocês que só do Ministério das Finanças, que diz que o país não tem dinheiro, ele recebeu o último modelo de carro da Range Rover, do Ministério dos Transportes obteve o último modelo da BMW e das FAA garantiu para si o último “grito” da Lexus”, observou a mesma fonte.
 
“Certamente que esta extravagância toda em tempo de crise é que pode justificar a falta de dinheiro nos cofres do estado para assumir compromissos salariais dos trabalhadores como nós oficiais de justiça e funcionários civis do Tribunal”, argumentou ainda o denunciante.
 
Cortes salariais
 
No STM os funcionários despertaram esta quarta-feira com cortes salariais feitos pela Direção totalmente à folha salarial dos oficiais não magistrados e parcialmente ao pessoal civil dos tribunais militares para o corrente mês de Dezembro. 
 
O funcionário civil que auferia 400 Mil kwanzas mensalmente viu o  salário em queda para 190 Mil kwanzas, no caso de um licenciado. Já um bacharel aufere agora 130 Mil kwanzas. 
 
Um oficial de justiça militar que ganhava 400 Mil kwanzas sofreu um corte total e perdeu o rendimento no tribunal, sendo relegado para o quadro salarial das Forças Armadas Angolanas( FAA). “Ele alega que nós, neste quadro, estamos a prejudicar o Estado e que a alocação do Orçamento Geral do Estado(OGE 2021) para o STM é apenas destinado aos magistrados.”
 
A maior contradição é que o orçamento para o corrente ano é de 3 mil milhões e 400 milhões de kwanzas no OGE. No próximo ano, a verba será de 3 mil milhões e 700 milhões de kwanzas. 
 
Os contestatários registam um aumento da alocação financeira e não entendem a razão para o corte salarial efectuado, além de um desconto que consideram arbitrário do IRT aos rendimentos dos oficiais de justiça militares e trabalhadores civis.
 
Tribalismo no tribunal
 
Cristo Salvador Alberto tomou posse em março último, em substituição do general António Dos Santos Neto. Desde então, os denunciantes registam o que chamam de um “acentuado clima” de tribalismo a favor do pessoal Bakongo. 
 
“Há uma divisão, por exemplo, no terceiro andar estão agora as pessoas da etnia bakongo. O pessoal kimbundo, tchokwé e “sulano” é visto confinado ao quarto andar”, disse a mesma fonte. “Os bakongos tomaram conta do plenário e, muitas vezes, o presidente que é bakongo de Cabinda toma decisões arbitrárias, sem precisar de ouvir o plenário.”

Generais descontentes
 
Um outro problema é o descontentamento que os generais juizes conselheiros têm expressado pelas sevícias e humilhações  por que passam na relação com o juiz presidente, segundo os denunciantes.
“Este descontentamento começou quando o juiz presidente calou à boca a dois juízes conselheiros que são tenentes-generais para dar palavra a um subtenente”, disse a nossa fonte.
 
O aumento da crispação no STM acompanha a tensão no Tribunal Supremo onde foi declarado um movimento grevista que pretende ativar manifestações e, dessa forma, exigindo a melhoria das suas condições laborais e salariais. 
 
Implementando o programa de assistência financeira do Fundo Monetário Internacional(FMI) em Angola, o Estado angolano espera cortes profundos nos gastos públicos, incluindo com o pessoal quando a Defesa e Segurança levam uma parte considerável do orçamento, mesmo em tempo de paz.
O STM tinha elevado os salários e subsídios no “longevo” mandato do antigo presidente, José Eduardo dos Santos, durante o qual multiplicaram os casos de corrupção no país. 
 
A magistratura fazia vista grossa.
 
Muitas vezes, ela era vista cúmplice dos infratores geralmente em altos cargos políticos e militares relacionados com o MPLA. Quando o país promete uma “guerra contra a corrupção”, os cortes salariais não afetam o pessoal magistrado do STM. 
 
Com efeito, o pessoal civil acredita que as mudanças são injustas. “Se o poder de compra do trabalhador angolano baixou, o Estado deveria reforçar os salários e nunca corta-los, pois são muito baixos”, desabafou uma funcionária administrativa do Tribunal que igualmente pediu para não ser identificada.
“Eu pergunto, qual é a perspectiva, afinal, e para onde isso nos leva?”
 
O STM é um órgão de soberania e, os contestatários observam que, como nos outros tribunais superiores, os seus funcionários gozam das mesmas regalias na magistratura em Angola.