Lisboa - José Eduardo dos Santos (JES) eliminou as palavras “Partido do Trabalho” do MPLA e “Popular” do nome do país da Angola e a “Assembleia do Povo” passou a ser chamado “Assembleia nacional” nas preparatórias das eleições presidenciais em 1992.

Fonte: Observador

Assinado o Acordo de Paz em Bicesse, perante a troika – Portugal, Estados Unidos e URSS, a 31 de Maio de 1991–, disputou votos com Savimbi. A UNITA dominava mais de 70% do território, uma sondagem norte-americana dava-lhe a vitória.

 

José Eduardo não perdeu a serenidade, aprecia António Monteiro, que lhe perguntou: “O que vai fazer, se perder?”. A resposta: “Olhou para mim espantado e disse: ‘Vou para casa’”. O embaixador português diz que “não parecia apegado ao poder”, mas não foi isso que o futuro mostrou.

 

A campanha do MPLA, organizada por marketeers brasileiros, foi muito bem pensada, elogia o antigo embaixador português na ONU: “O slogan era ‘Angola no coração’ e José Eduardo apareceu em público, contra o seu hábito (porque ele nunca aparecia), muito tranquilizador, bem enquadrado no apelo aos afectos, à convivência de todos, à inclusão dos outros”.

 

Uma vez mais, a sua postura ganhava na comparação com a de Savimbi, excelente orador mas muito agressivo. “Fez uma campanha desastrosa, fardado, apelando à violência, recusando os nossos conselhos. Dizia: ‘Vocês em Lisboa sabem como falar para os portugueses, eu sei como falar para os angolanos’”, lamenta o padre Oliveira.

 

Pelos vistos não sabia. José Eduardo dos Santos venceu com 49,57% e as regras acordadas pediam uma segunda volta. Savimbi, com 40,6% dos votos, não aceitou os resultados, a guerra recomeçou e dentro de Luanda viveu-se o horror. “Foi a experiência mais traumática da minha vida, abria a janela e via pessoas a morrer. Apelei ao cessar-fogo, o governo estava disposto a ceder mas a UNITA, que desencadeou tudo, não aceitou”, lamenta António Monteiro.

 

Houve “uma escalada de violência nas ruas, o MPLA distribuiu armas à população e foram três dias terríveis”. Falou-se em decapitação da UNITA, 10 mil a 50 mil pessoas, opositoras ao MPLA, morreram no que ficou conhecido como o “Massacre do Dia das Bruxas” de 30 de outubro a 1 de novembro de 1992.

 

Há quem ilibe José Eduardo dos Santos desta carnificina, dizendo que, tal como no Maio de 77, não queria derramamento de sangue. Um empresário português que conhece bem Angola e que só aceitou falar sob anonimato, sublinha que JES tentou travar os generais que queriam arrasar a UNITA: “Pedia-lhes para terem calma, para esperarem, alertava-os para o facto de terem a comunidade internacional com os olhos fixos neles”.

 

Exemplifica com o que aconteceu no hotel Tivoli, onde se hospedava a dirigente da UNITA Fátima Roque — que deixara de ser professora universitária em Lisboa para se candidatar pelo partido de Jonas Savimbi — e então mulher de Horácio Roque, que, em pânico, ligou ao banqueiro a suplicar ajuda porque a iam matar. O português telefonou ao então primeiro-ministro Cavaco Silva (de quem JES sempre gostou e ouviu, diz fonte próxima do ex-Chefe de Estado português ) e a Durão Barroso, que falaram com José Eduardo dos Santos e este terá tido uma ação na libertação da intelectual da UNITA. Não, “José Eduardo não é um sanguinário”, conclui o empresário português. Sim, “José Eduardo é um sanguinário, o massacre da UNITA foi a mando dele” discorda uma angolana com ligações a altas figuras do regime.

 

Fátima Roque admite, ao Observador, que JES “a protegeu”, mas que “mandou matar muitos amigos” — quase todos os dirigentes da UNITA foram assassinados. “Acho que escapei porque era mulher, branca e rica”. Não esquece o trajeto que fez quando os diplomatas António Franco e António Monteiro a conseguiram tirar do hotel Tivoli e levar para o hotel Império: “O carro ia aos ziguezagues para não passar por cima dos corpos”. Ficou presa durante mais de três meses no Império, com os ninjas à porta do quarto de onde não podia sair.

 

“Houve muita pressão para eu ser libertada, de Cavaco e Barroso a Mário Soares [então Presidente da República], mas também da comunidade internacional. Até o sub-secretário norte-americano foi num avião privado de Washington a Luanda pedir que me libertassem em troca da revisão da política dos EUA para Angola. E José Eduardo dos Santos não aceitou. Ele só me libertou quando quis, na verdade”.

 

Como adversário, Savimbi “era um orador extraordinário, tinha um partido forte, ainda armado, e em democracia usufruía da vantagem dos números porque tinha a maior tribo”. Por isso, José Eduardo dos Santos teria feito com que o instigassem para ir para “onde o podia ganhar: a guerra.

 

Marcolino Moco levanta outra “hipótese plausível” para o sucedido em 1992. JES sabia que na segunda volta das eleições corria sérios riscos de não vencer e tinha em Savimbi um adversário que “era um orador extraordinário, tinha um partido forte, ainda armado, e em democracia usufruía da vantagem dos números porque tinha a maior tribo”. Por isso, José Eduardo dos Santos teria feito com que o instigassem a ir para “onde o podia ganhar: a guerra”. Lembra que “Savimbi era muito inteligente mas muito emotivo, fervia em pouca água” e já não contaria com a ajuda dos sul-africanos e dos Estados Unidos.

 

Marcolino Moco tem razão, em parte, contrapõe António Monteiro, para quem JES demonstra, mesmo depois de 1992, muita flexibilidade. “Dizia que a paz não tinha preço e que estava disposto a ceder o que fosse necessário. Ele, que ganhou as eleições [sem maioria absoluta], achou que era importante para o processo de paz partilhar o poder”. Fez isso, diz António Monteiro, nas negociações de Adis-Abeba e Abidjan e em 1994 — já os Estados Unidos tinham reconhecido o governo de Luanda e o MPLA ganho o Huambo de Savimbi — em Lusaca, de onde saiu o Governo de Unidade Nacional. “Com esta decisão afastou o princípio do winner takes it all”, assegura o antigo embaixador português.