Luanda - (Ponto de interrogação em torno da prospecção de petróleo nas zonas protegidas)

Fonte: Club-k.net

Quando Agostinho Neto profetizou, a partir da cadeia do Aljube, no bolorento Portugal colonial de 1960, que os desterrados, os exilados e os excluídos haveriam de voltar à terra rica em diamantes, ouro, cobre e petróleo, não tinha a mínima ideia da dimensão calamitosa que o regresso anunciado nos versos da Sagrada Esperança iria atingir nos dias de hoje.

 

No auge do romantismo revolucionário, o poeta-Presidente e a legião de militantes da geração da utopia sonhavam com uma Angola próspera, senhora e dona do destino, orgulhosa dos recursos naturais que seriam explorados de modo racional para resgatar a dignidade do povo heróico e generoso.

 

Desgraçadamente, por força de desinteligências que se agudizaram ao longo dos tempos, acirrando contradições insanáveis entre os movimentos de libertação nacional, o sonho libertador transformou-se num pesadelo para a maioria dos antigos combatentes e seus descendentes.

 

Nem Holden Roberto, o pai da luta armada, nem Jonas Savimbi, o último guerrilheiro com honras de estado, tiveram génio para evitar que a luta que empreenderam pela emancipação dos povos que diziam representar acabaria por resultar num país profundamente desigual em que as cores partidárias passariam a ter mais valor do que a Pátria.

 

Sessenta anos depois do início da luta armada, os filhos da terra pela qual os pais fundadores desencadearam várias guerras sem quartel continuam a ser as principais vítimas, não mais do opressor colonial, mas de uma elite predadora que emergiu dos combatentes da liberdade e produziu um homem novo vocacionado para colocar as militâncias sempre à frente das competências.

As ordens superiores, os petrodólares e a subserviência abafaram o patriotismo, a solidariedade e as ricas tradições de povos de Angola. Povos nobres que doaram os seus filhos para luta, mas foram ignorados na hora da celebração da vitória e aguardam há mais de quatro décadas por uma simples certidão de óbito.

A ilusão herdada da outra senhora proclamou uma Angola rica em ouro, cobre, ferro e tantas outras preciosidades reais e imaginárias. Mas qual a região do país ou comunidade autóctone que prosperou por via da exploração desses recursos minerais? Qual é o real valor das minas de Cassinga/Xamutete, das Pedras Negras de Pundo-a-Ndongo, dos minérios do Mavoio e de Kassala-Kitungo?

 

Até hoje, subsistem inúmeros pontos de interrogação em torno do PLANAGEO, o Plano Nacional de Geologia, lançado em 2014 com um orçamento de 405 milhões de dólares para investigar e inventariar as riquezas do subsolo e a composição do solo angolano.

 

Inicialmente, o plano teve uma vertente pedagógica na medida em que alguns conceitos e termos técnicos passaram a fazer parte do léxico daquele período de grande expectativa: levantamentos aerogeofísicos, mapeamento geológico e geoquímico, cartas geológicas a várias escalas, cartas de minerais metálicos, minerais para a construção civil, geologia aplicada à engenharia, geomedicina... Houve realmente alguma pedagogia.

 

Sustentado por uma requintada campanha publicitária, o PLANAGEO adornou as capas dos jornais em letras garrafais e liderou os tópicos das principais notícias em todos os telejornais. Subitamente, deixou de ser notícia e o brilho da propaganda perdeu-se nas trevas, como se fosse uma mina abandonada depois de desventrada sem sucesso.

 

A conclusão do PLANAGEO estava marcada para finais de 2017, mas não há memória de qualquer cerimónia pública de apresentação dos resultados, contrariando a solenidade que marcou o acto de lançamento. Sabe-se apenas que os dados e os mapas foram depositados no IGEO, Instituto Geológico de Angola. Ainda assim, custa acreditar que não existe um website devidamente estruturado e actualizado com toda a informação disponível, em bom português e na língua de Shakespeare.

 

A velha ilusão de que Angola é um país rico e ponto final, vai sendo substituída por uma retórica de improvisos nada convincentes, deixando todo o mundo na ignorância. O conhecimento sobre o potencial geológico-mineiro de Angola é escasso, muito escasso. Prova disso é que não há qualquer actividade de grande dimensão fora da indústria diamantífera, à excepção da exploração rotineira de rochas ornamentais na Huíla e no Namibe, assim como os últimos preparativos para a produção de ferro-gusa no Kuando Kubango e no Kwanza Norte.

 

É muito estranho que os projectos de exploração de ouro, em pequeníssima escala, no município do Chipindo, província da Huíla, na região do Samboto, no planalto central, e em Buco Zau, no enclave de Cabinda, não tenham atraído nenhum dos investidores que disputam cada palmo de terra nas principais regiões mineiras dos cinco continentes. Já houve duas exportações em quantidades ainda simbólicas. Mas não há sinais de qualquer investimento estrangeiro directo. Será que as reservas naturais de ouro não possuem grande valor económico? Ou será que o Código Mineiro e outras leis conexas não são suficientemente realistas nem atractivas?

 

Se os recursos minerais que inspiraram a poesia libertária do fundador da Nação são realmente abundantes, além do petróleo em desaceleração, das terras aráveis maltratadas e dos recursos hídricos desperdiçados, alguém consegue explicar porque razão as grandes mineradoras não estão aqui implantadas tal como as petrolíferas que dominam a indústria do ouro negro?

Basta olhar para a RDC para perceber que alguma coisa não bate certo em Angola. Não obstante os intermináveis conflitos que transformaram o Congo num autêntico barril de pólvora, os gigantes da indústria mineira aplicam centenas de milhões de dólares e coabitam com milícias sanguinárias para terem acesso às riquezas do subsolo congolês.

É verdade que as populações do país vizinho não desfrutam das imensas riquezas da terra que lhes pertence. Lá não há instituições para assegurar o cumprimento de medidas tendentes a mitigar os impactos ambientais, nem se fala sequer em responsabilidade social. Em seis décadas de independência, o antigo Congo belga foi dilacerado por guerras intestinas, conspirações urdidas pelos serviços secretos ocidentais e assassinatos políticos que alimentaram um longevo regime totalitário, desprovido da mais elementar noção de soberania, razão pela qual adoptou a pilhagem e a eliminação dos críticos como estilo de governação. Contudo, a repressão e o saque não anularam a inventariação do enorme potencial mineiro da RDC.

A África do Sul, que se libertou do apartheid com o apoio incondicional de Angola, é detentora de uma sofisticada indústria mineira, impulsionada pelos pioneiros e líderes mundiais da mineração. Desde as jazidas de carvão, diamantes, ferro, cromo, titânio, cobre, manganês, ácido fosfórico, níquel, granito, urânio e zircónio, ao processo de transformação destas matérias primas em produtos de alto valor, cotados no London Metal Exchange (LME), o principal mercado de futuros para a comercialização de metais industriais.

Monitoradas por órgãos de inspecção que fiscalizam o cumprimento rigoroso da lei e dos regulamentos de gestão de riscos e protecção ambiental, as multinacionais do sector mineiro servem de âncora para uma infinidade de negócios, garantindo centenas de milhares de empregos.

Angola ostenta o título pomposo de potência regional mas continua a ser encarada como um território anexo. As elites locais sempre estiveram embriagadas com as ramas de petróleo e os diamantes de sangue. Não é pelo mau olhado dos outros que o país não tem know how nem visão, limitando-se a confundir dragas e indústria, preço e valor, dinheiro e riqueza.

Onde estão os quadros qualificados que constituem a elite nacional no campo da geologia e minas? Haverá estudos publicados com as impressões digitais de autores angolanos que atestam que o país é efectivamente rico em minerais estratégicos, podendo ombrear com as potências mundiais?

Quanta vontade política será necessário para que seja dada a palavra aos especialistas nacionais, geólogos, físicos, geógrafos, químicos, geofísicos, engenheiros civis, de minas, do ambiente, hidráulicos e toda a sorte de profissionais credenciados, individualmente ou integrados em organizações da sociedade civil com voto na matéria? Será que os decisores políticos não estão interessados em dissipar as dúvidas que pairam sobre um sector que bem poderia contribuir para mitigar o desemprego que afecta mais de 50% da juventude?

Com o petróleo em declínio devido ao envelhecimento dos poços e aos cortes impostos pela OPEP, um cartel em decadência que não traz nenhum benefício para Angola, o que falta para a adopção de um plano estratégico, resultante dos mais amplos consensos entre o estado, os especialistas e a sociedade civil, visando a captação de investimentos para o sector mineiro?

Em 2020, a dívida pública atingiu 123% do PIB. O país entrou em 2021 feito refém do FMI e da China. As reservas internacionais líquidas atingiram o valor mais baixo dos últimos anos, pouco mais de 8 mil milhões de dólares. O serviço da dívida consome 52,5% do OGE, tornando-se insustentável. E o governo tem sérias dificuldades em contratar novos financiamentos para desenvolver em tempo útil as infraestruturas essenciais para industrialização do país.

Em todo o mundo, o número de infectados pelo novo coronavírus e suas variantes ultrapassou os 100 milhões, numa altura em que a Covid19 já matou mais de 2 milhões de pessoas. Mas estas cifras aterradoras não constituiram obstáculo para que, no final de 2020, as 50 maiores mineradoras do planeta, todas juntas, atingissem pela primeira vez mais de 1 trilhão de dólares em valor de mercado.

O que muita gente não sabe é que a maior empresa mineira do planeta, a australiana BHP, já esteve associada a projectos diamantíferos na Lunda Norte, tendo realizado trabalhos de pesquisa e prospecção nas áreas do Alto Cuilo e Luangue. Mas, no início de 2013, por coincidência no momento em que o PLANAGEO estava na forja, a empresa número 1 do mundo retirou-se para outras paragens, justificando o fim das operações em terras angolanas com uma expressão que não é nada abonatória: "Angola just doesn't fit anymore". Ou seja, pelo menos naquela altura, aos olhos da multinacional que é líder mundial da indústria mineira, Angola já não servia. Verdade ou mentira, os angolanos precisam de saber porquê.

Mas onde está a massa crítica formada e formatada em 45 anos de independência para desvendar as verdadeiras riquezas naturais de Angola, sem que seja necessário transformar o Parque Nacional da Quiçama e a Área de Conservação do Okavango em campos de exploração de petróleo?

OBS: Entre os primeiros 17 decretos que Joe Biden assinou no dia em que tomou posse como o 46o Presidente da maior potência mundial, destaca-se o regresso dos EUA ao Acordo de Paris e a anulação das explorações petrolíferas em zonas protegidas. Alguém quer discutir?!...