O que é claro é que o Ernesto disse que há na TPA (e por arrasto eventualmente na media pública) pressões extra-jornalismo que acabavam por pesar na hierarquização das notícias. Presume-se que estas pressões venham do MPLA ou arredores, o que, a ser verdade, é um assunto que deveria merecer uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas para quê (Par) lamentar se já sabemos o quanto a casa gasta? Infelizmente, e ao contrário dos juristas, economistas, engenheiros ou professores, ainda somos poucos os que tiveram o privilégio de possuir formação superior em Comunicação Social. Isso por conta do relativamente pouco tempo em que temos Universidades a leccionar este ramo do saber. Os poucos que somos têm por isso a responsabilidade acrescida de, nestes casos, promover um debate académico, ou pelo menos com algum rigor científico quando coisas dessas acontecem. É o que tentarei fazer agora neste texto. Nesta era chamada «da Informação» os jornalistas – os tais que (inter) mediam as informações – exercem um papel cada vez mais poderoso. Aos pontos que, depois de 1950, começaram a surgir estudos sobre a forma como estes exercem este Poder.

 A questão de base era mesmo que legitimidade tinha essa tal Poder, que alguns já consideraram o quarto, depois do executivo, legislativo e judicial. Questões ou não questões, os operadores da media, particularmente os jornalistas, possuem mesmo Poder, gostem os políticos ou não, e exercem-no, bem ou mal. Que Poder têm os jornalistas então? Segundo o comunicólogo David White, depois secundado por Westley e McLean, eles têm em primeiro lugar o poder de «filtrar» as notícias. São os jornalistas, quais porteiros, que decidem quais os acontecimentos que merecem ou não merecem ser levados a público.

Para essa selecção usam vários critérios, como a proximidade, o momento do acontecimento, o impacto, a consonância, a intensidade, etc. No final, são eles que decidem quais os assuntos que serão noticiados ou não. Por força disso, dizem os mesmos estudiosos, eles acabam por ser quem define a agenda da Sociedade. Como as pessoas só falam do que ouvem, as notícias seleccionadas pelos jornalistas acabam sendo o assunto do momento. E o inverso também é verdade: os assuntos que os jornalistas preteriu nem sequer são falados, por mais importantes que possam ser. É o tal fenómeno do «gatekeeping» – guarda do portão por onde passam as notícias – do «newsmaking» – a selecção das notícias – e do «agenda setting», o estabelecimento da «ordem do dia», teoria da comunicação aperfeiçoada por Galtung e Ruge em 1965.

O exercício da mediação da Informação pelos jornalistas foi desde esta altura sujeito a rigoroso controlo ético, para evitar os excessos, alguns deles de consequências verdadeiramente nefastas, acontecidos durante a Segunda Guerra Mundial. O jornalista deve apenas fidelidade aos critérios puramente ligados ao interesse público e sempre objectivando informar com verdade e isenção. Por isso na maior parte dos Países a actividade jornalística é protegida por Lei, por um lado, e regulada por códigos formais de ética e deontologia. No nosso País, o Ismael Mateus bem que tentou, na sua vigência enquanto SG do Sindicato dos Jornalistas, mas «desconseguiu» por razões meramente subjectivas. Voltando ao caso do Ernesto Bartolomeu – cuja coragem deve ser saudada – o que ele disse situa-se no foro ético. Um jornalista senioríssimo como o EB não pode, de facto, pactuar com coisas dessas. Se alguém pressiona os editores para que dêem mais ênfase a A em detrimento de B isso fere gravemente a isenção que um jornalista deve observar no sentido de nunca manipular as informações que selecciona. Qualquer jornalista tem a obrigação de não só recusar-se a entrar nesses jogos, como até a denuncia-los como práticas anti-constitucionais. Por outro lado, e por tratar-se de assunto de foro ético, a direcção da TPA não tem legitimidade para instaurar um processo disciplinar ao jornalista, nem de considerar que ele terá passado informações sigilosas em foro impróprio.

 Ao fazer isso, admite implicitamente a existência de tais práticas – e todo o mundo sabe que à boca pequena diz-se existirem - e candidata-se a uma sindicância do Parlamento. Por outras palavras, torna-se questionável até a tal «suspensão» que se diz ter sido aplicada pela comissão do «amigo» Isidro Sanhanga. Esta é a minha modesta contribuição para o debate que já começa a fazer falta. Espero que não me xinguem por achar que a «bartolada» do Ernesto constitui hoje por hoje uma verdadeira pedra no charco no nosso espectro comunicacional.

Fonte: SA