Quando os sete juízes tomarem posse, fica finalmente concluído em Angola o edifício do Estado de Direito, nos moldes dos Estados modernos, o mesmo é dizer da Europa e Estados Unidos.

A UNITA apressou-se a elogiar – e bem – o nascimento do Tribunal Constitucional, afirmando que ele preenche um vazio no ordenamento jurídico angolano e facilita a consolidação do Estado democrático e de direito “almejado pelos angolanos”. O partido de Isaías Samakuva tem um discurso político polissémico, que por vezes não ajuda muito à empatia de que muito precisa, gerando uma falta de objectividade que transfere até dificuldades para o analista político. Diríamos que neste caso, para a UNITA, o surgimento do TC é algo de concreto, um dado adquirido, que se encaixa na ideia que em todo o mundo se dá a um órgão desta natureza. Mas analisado bem o discurso, não é assim.

Ao ligar directamente o Tribunal Constitucional ao processo eleitoral mais próximo, o partido do Galo Negro – ou qualquer outro que assim o entenda – deixa escapar uma percepção instrumentalista ou, na pior das hipóteses, eleitoralista e partidarista do Tribunal Constitucional, acabando por reduzir a enorme dimensão que este órgão tem no contexto global do desenvolvimento social, económico e cultural do nosso país. Conceber a emergência deste órgão de topo da hierarquia da Justiça como ferramenta para fins imediatos, ou garante de um processo de transição imediato, é um erro político. Na realidade, para a UNITA, o Tribunal Constitucional nasce coxo, não é ainda um instrumento da Justiça. E nós a pensar que podíamos gritar agora, aos quatro ventos, “temos Estado de Direito!”. Afinal, para a UNITA, a instituição é pura miragem.

Mas a UNITA confunde. Como confunde ao analisar o sistema político vigente, ao sabor dos seus interesses imediatos.

 O sistema político em Angola, que mudou já lá vão 17 anos, de um regime mono para um multi, não é um multipartidarismo virtual em transição para um multipartidarismo real. Estas são noções que encerram apenas uma (a tal) intenção polissémica e manipuladora do discurso dos irmãos da UNITA. Angola, de facto, tem já um sistema multipartidário considerado exemplar em África, que apenas recupera do tempo perdido por causa da guerra. E o Estado Democrático e de Direito não é um objectivo ainda “almejado” pelos angolanos, é uma realidade irreversível. E ponto final.

O dado mais significativo que mostra a intenção de dar ao Tribunal Constitucional um pendor eleitoralista, está na ideia, avançada pela UNITA no nosso jornal, de que o Tribunal ajudará os partidos políticos a resolverem as suas crises internas. Aqui também os irmãos da UNITA laboram num equívoco e numa estranha forma de percepção dos fenómenos partidários e do papel das instituições nacionais. As instituições do Estado não existem para servir os caprichos dos partidos políticos nacionais, por muito importantes que eles sejam. Há muita vida para além dos partidos políticos. E a actividade dos partidos não se esgota em eleições, pelo contrário, é imensamente mais do que concorrer a actos eleitorais.

Entendamo-nos, portanto. O Tribunal Constitucional é o topo do Poder Judicial. E isso é uma realidade insofismável para os cidadãos e instituições que a ele recorram. Nada tem a ver com eleições e muito menos com partidos.
A Justiça não entra em jogadas eleitorais.
 
* Director do Jornal de Angola
Fonte: JA