Luanda -  Rita Chaves, professora de literaturas africanas na Universidade de São Paulo, acedeu falar connosco a margem do encontro Internacional em Homenagem ao Óscar, numa iniciativa do Ministério da Cultura, que decorreu em Luanda de no palácio dos congresso, nesta conversa falamos de vários aspectos ligados a literatura angolana, a sua fase de crescimento, sobre a necessidade da formação de leitores, o papel que jogam neste processo as faculdades de letras, falamos sobre as polémicas em torno de Slogan “Vamos Descobrir Angola!”, sobre a questão da mediocridade de três dos mas expressivos da geração da mensagem, sobre a obra de Óscar Ribas dentre aspectos interessante, que aconselhamos o leitor e ler. 


Fonte: Club-k.net       
 


Professora, sabemos que já algum tempo que vem estudando a literatura angolana, gostaríamos de ouvir as suas virtudes de razão, sobre o estado actual da nossa literatura?

 

R.C- Olha, na verdade como eu tenho vindo pouco a Angola nos últimos anos, não tenho acompanhado,  aquilo que vai saindo nas ultimas publicações não tenho acompanhado, mas eu acho que a literatura angolana, já superou o processo de consolidação do seu projecto, tanto no que diz respeito a poesia, tanto no que diz respeito as narrativas, nós já podemos falar de um projecto amadurecido, e este amadurecimento eu localizo principalmente de hoje, já há escritores que trabalham temas bastantes diversificados e com linguagens também muito diversificadas, com diferenças entre si.

 

CF- Se nos anos 80, tínhamos uma produção literária mas pujante, com a União dos Escritores Angolanos, com uma produção mais regular em termos editorais, com uma Brigada Jovem de Literatura mas entusiastas, hoje o quadro parece – nos diferente, dá a impressão está mais tímida, qual é a sua visão sobre este cenário professora?


R.C- Olha, eu concordo com você, quer dizer houve um momento em que houve uma grande pujança da literatura, eu acho que isso tem haver com o processo de formação do estado nacional. Porque Angola tem uma literatura nacional antes mesmo que houvesse um estado, e a emergência daquele estado fez explodir uma série de factos que deram a literatura um brilho especial, eu concordo com você, dos anos 90, houve uma espécie de retracção, mas eu acho que é um período em se estão a reorganizar as coisas, e a literatura sem duvida alguma que perdeu a importância no espaço institucional, a U.E.A, tinha uma produção literária do que aqui tem hoje, eu não acho que a responsabilidade social cai somente a União, acho que a sociedade angolana mudou. Angola é um país que passou por muitas transformações por um período muito curto, eu penso que os escritores formados e os potenciais escritores estão a viver um momento de perplexidade, estão a tentar organizar ainda as suas ideias para traduzir em linguagem, e isto leva tempo, há que ter alguma paciência.

 

CF- Instituições como as Faculdades de Letras, têm responsabilidades acrescidas na formação da próxima critica literária e não só, não havendo critica literária, não é possível encontrar-se outras formas para a mudança do quadro?

 

RC- Eu acho que a Faculdade tem uma importância muito grande, não porque vá formar escritores, eu acho que foi é formar leitores, e é preciso no processo de constituição da literatura, não é só o escritor que conta, o leitor conta muito, quer dizer na relação que se estabelece entre o autor, ou escritor, o leitor pode ser muito enriquecedor para a actividade literária, e sem duvida alguma que a criação da Faculdade de Letras, a redução da taxa de analfabetismo,  o aumento daquilo que a gente chama de processo de “letramento” tudo isto tende a contribuir, para que os talentos que efectivamente existem possam florescer.

 

C.F- Enquanto professora qual seria o concelho a dar para aquele que pretendem se iniciar na actividade da critica literária?


RC- Olha, eu acho que não há milagre, é  ler, é preciso ler muito, é preciso ler a literatura angolana, e não só, é preciso ler a literatura dos outros países de Africa, é preciso ler a Literatura portuguesa, a literatura brasileira, a literatura francesa. Ai, eu só radical, é como quando a gente está anémico o que é que precisa de fazer? Comer não é verdade?

E neste caso eu acho fundamental que a gente fazer leituras dos mais diversos sistemas literários, dos mais diversos tempos, é isto que compõe a base de uma avaliação critica


CF- Já é estudiosa da literatura angolana a já algum bom tempo não é?


R.C- Infelizmente sim, isto quer dizer que já estou muito velha!…risos.


CF- Não é uma espécie de antecâmara, para uma provocação que eu lhe quero fazer, é relativamente a polémica que surgiu sobre o slogan “ Vamos Descobrir Angola!” Há autores de advogam a paternidade ao Viriato da Cruz, e hoje há uma corrente que pretende atribuir a paternidade a Agostinho, qual é a sua virtude de razão professora?


RC - Olha, eu acho que discussão pode ser esta, mas não é interessante, o que é fundamental é compreender que o slogan, exprime o espírito de uma geração, quer se foi o Neto que falou primeiro, ou se foi o Viriato da cruz, não importa, o importante é que eles pensaram deste modo e que investiram significativamente, tanto no seu tempo quanto no seu talento, na sua inteligência, para promoção de uma atitude que foi essencial para o surgimento da literatura, tal como a que conhecemos hoje.


CF- Indo para uma outra polémica, que resultou de uma opinião dada pelo escritor Angolano, José Eduardo Agualusa, que numa entrevista dada a um jornal local, que classificava alguns poetas angolanos como medíocre, casos como Agostinho Neto, António Jacinto e Cardoso, qual é a sua opinião sobre a mesma?


RC - Olha, eu acho que na literatura, evidentemente que nós não temos nunca a ultima palavra, ninguém tem, nem o escritor, nem o leitor e nem o critico literário. E o escritor Agualusa, tem o direito de gostar ou não de qualquer poeta, eu não concordo com ele, não acho que o Jacinto seja de forma alguma um poeta medíocre, e não acho que seja propriamente democrática, dizer que quem gosta da poesia de Neto, de Cardoso ou de Jacinto, é burro, acho que foi isso que ele disse, eu acho que esta não é uma postura adequada, ele tem o direito de evidentemente de não gostar, agora ele não tem o direito de ter a ultima palavra, nenhum de nós tem.


CF- Tendo em conta a figura homenageada, que é o Óscar Ribas, qual é a sua opinião sobre as obras de Óscar Ribas?


RC- Acho que o Óscar Ribas, é um escritor de grande importância para literatura angolana, de grande importância pelo conhecimento de Angola, foi um homem que conheceu as contradições, que conheceu os seus movimentos de avanços e recuos, foi um homem que procurou sempre estar na cena cultural de Angola, com uma contribuição particularmente relevante, para o conhecimento das coisas da terra, num momento em que era um esforço bastante complicado. Eu acho que a realização desta conferência é só mas um sinal de confirmação da importância que ele teve no cenário cultural de Angola.

 

CF- Normalmente a critica que é feita a sua obra, deve-se ao facto de no principio da sua obra, havia reiteradas vezes, dedicatórias de favorecimento ao sistema colonial, tem algum comentário sobre isto?

 

RC- Ele é um homem do seu tempo não é! De um tempo muito conturbado, muito difícil, e ler neste tempo com os olhos de hoje, empobrece avaliação. Quer dizer, eu também fico um pouco digamos que incomodada, quando vejo uma dedicatória deste tipo, mas por outro lado, eu penso que ele tinha que se mover num terreno movediço, e aquilo que nós podemos chamar de concepção, não impediu que ele pudesse dar uma contribuição indiscutível para o conhecimento da terra que era o seu objectivo, eu penso que ele queria participar deste debate identitáario, com uma posição que pode não ser a dos outros escritores, a posição dele era evidentemente diferente da posição de um Viriato, do próprio Neto, dos anos 50, mas que isso não significa que tenha tido uma contribuição menos importante, ou que ele tenha se comprometido com o colonialismo, eu não acho que isto tenha ocorrido, acho que ele foi um homem do seu tempo com algumas contradições, alias eu digo isso capitulo da minha tese de doutoramento, eu vejo o Óscar Ribas, como um intelectual dilacerado em certa medida, dado o contexto em que ele viveu, e se formou deve-se ficar atento em todos estes processos.

 

CF- Em 2004, em conversa com um grande estudioso de literatura africana de expressão portuguesa, de feliz memória, o francês Michel Laban, dizia Óscar Ribas, Antes de morrer havia lhe enviado uma carta, onde manifestava a sua preocupação em poder reeditar a sua primeira obra literária, que é “ Nuvens que Passam” cuja intenção, era a de fazer uma colectânea das suas obras para sua posterior publicação, o que tem a dizer sobre isto?

 

RC- Este dado eu não conheço, por isso eu não posso dizer nada não é! Não conheço, não estou a par deste facto, mas a sua publicação seria muito importante.

 

CF- Numa só palavra, como é que classificaria o Óscar Ribas?

 

RC- Eu acho que ele foi um intelectual fundamental para a formação não só da literatura angolana, mas formação deste sentimento de angolanidade, que atravessa aos angolanos de forma inequívoca, vocês são muito ciosos, de identidade, mesmo quando esta identidade parece um processo convulsivo, isto dá uma característica bastante especial a sociedade angolana.


CF- Hoje já algumas correntes literárias que abordam a literatura africana de expressão portuguesa, na perspectiva da angolanidade, caboverdianiedade, moçanbiquianidade, acha importante fazer-se esta apreciação?

 

RC- Eu, não sei se é importante falar-se nisso, o que eu vejo é que vocês falam, se vocês falam é evidente que tem importância para sociedade angolana, e eu acho que em países novos, o país também tem uma consciência nacional recente, ainda não tem ainda duzentos anos, eu acho que este sentimento identitario, é uma espécie de fatalidade que nós não podemos fugir, quer dizer, que tem que estar em discussão, não significa que seja uma identidade essencialista, mas há algo que nós precisamos de acreditar que nos distingue dos outros, quanto a isto eu não tenho duvidas