Luanda - José Carlos Venâncio, professor catedrático da Universidade da Beira interior, onde lecciona sociologia e relações internacionais, neste âmbito vai se debruçando sobre as culturas e literaturas africanas, não só nos cursos de pós graduações, como nas outras disciplinas ligadas as licenciaturas.


Fonte: Club-k.net


O professor em função da sua experiencia, como estudioso das literaturas africanas, até  porque tem provas dadas, gostaríamos que nos ajudasse a caracterizar de uma maneira geral o estado actual da nossa literatura?

 

J.C.V- É uma literatura muito pujante, muito diversificada, e que me parece estar no bom caminho e com muito nomes a despontarem, tem uma boa organização, que tem sido o suporte dessa criatividade, e do desenvolvimento das respectivas literaturas, que é a União dos Escritores Angolanos, e penso que no geral é uma literatura que tem de facto trazido importantes aportes ao universo literário em língua portuguesa, ao universo literário das literaturas africanas, e de certa maneira também revitalizada aquele que são os aspectos e valores das sociedades, ditas tradicionais, o impactos destas sociedades com as diferentes modernidades, eu penso que a literatura angolana, na sua variedade e na sua diversidade, tem cumprido o seu dever histórico.

 

Assim sendo, em que lugar podemos colocar a literatura angolana, no naipe das literaturas de expressão portuguesa?

 

Eu penso que são das mas criativas, talvez eu seja suspeito, porque sou também angolano, mas é das mais criativas. Portanto, é sempre difícil fazer comparações deste género, mas eu penso que a literatura brasileira, a literatura angolana, também a literatura portuguesa e a cabo-verdiana, a angolana ocupa uma posição de muito destaque, assim como a Moçambicana, são literaturas que mais se posicionam e ocupam um papel de grande destaque, e que melhor representam se calhar aquilo que é a Lusofonia.

 

Professor, fazendo recurso a historia, viajando para os anos 80, período em que houve uma explosão muito grande na edição e publicação de obras literárias, com a União dos Escritores angolanos a jogar um papel de vanguarda, com a Brigada Jovem de Literatura Angolana, que também tinha uma palavra a dizer, hoje o quadro é diferente, estas organizações hoje já têm o mesmo peso que tinham no passado, pese embora terem surgido outros actores, parece-nos que não há  uma publicação tão expressiva como naquele tempo, que comentário se lhe oferece fazer?

 

J.C.V- Sim! Talvez isso não é? Mas eu penso que a União dos Escritores Angolanos, ainda continua bastante presente e bastante forte. Agora, esta transformação que diz existir, aconteceu não somente em Angola, como provavelmente terá acontecido nos outros países, noutras culturas, tem haver, com a mudança dos próprios tempos, com o aparecimento de outras formas de entretimento, com o desenvolvimento da televisão, da comunicação social, das telenovelas, dos meios áudio visuais, tudo isto tem de facto influído na posição que a literatura ocupou no passado e que hoje, aparentemente não ocupa, esse é um aspecto, o outro tem provavelmente haver, com o facto de durante à vigência do regime do partido único, e deste muito cedo, um mês após a proclamação da independência, constituiu-se a União dos Escritores Angolanos, e nesta constituição onde esteve presente o então presidente Agostinho Neto, e foi muito claro dizendo que a literatura tinha uma função muito própria, muito determinante na construção da Nação, na organização do país, e na criação de uma identidade nacional, talvez por isso, durante a vigência do partido único, tenha de facto a literatura a projecção que teve, e a União publicou imensas coisas, e com valor, porque este acasalamento com a politica, não quer dizer que se desmerece em termos estéticos a literatura que se produziu e que se publicou, hoje, há um outro facto, há um outro personagem que entra em cena, que é o mercado, com uma economia de mercado,  para além da União dos Escritores que continua a publicar como disse, há outras editoras, mas, há sempre e há tendência aqui e noutras partes do mundo, de colocar o mercado como grande factor catalisador, e ai, provavelmente as literaturas, a grande literatura, por vezes sai a perder, aqui e nos noutros sítios.

 

O professor e outros estudiosos da nossa literatura, têm sido unânimes, em afirmar que a nossa literatura, é pujante, no universo das literaturas africanas, mas há um elemento que pode ser considerado como barómetros para medir a qualidade da literatura produzida em Angola, que é a crítica literária, neste domínio, parece-nos que não temos uma crítica literária que devia acompanhar esta pujança que a literatura angolana diz ter, professor, qual é  a sua virtude de razão a este respeito?

 

Sim, aqui também não temos, mas olhe que também em Portugal não há grande tradição de crítica literária, talvez mas, mais não há grande tradição, onde eu conheci uma maior crítica literária, foi na Alemanha, ai sim, tem alguns programas televisivos muito interessantes, onde se faz de facto esta crítica literária ela é importante para reconfigurar, para reconfortar as criatividades artísticas, as criações artísticas, sem duvida, ai estou de acordo consigo, se ela fosse mas forte em Angola, talvez ainda esta literatura fosse mais pujante ainda, e se orientasse para universos que provavelmente estão a ser secundarizados.


Alguns autores dizem que uma das saídas, para esta ausência de crítica literária, passava por uma recensão, por parte da comunicação social, em alguns casos os jornalistas mais experimentados neste domínio, deviam ensaiar a crítica literária, em função da não regularidade produtiva por parte dos académicos, que opinião tem sobre isto?

 

Aos jornalistas, cabe precisamente fazer a crítica literária nos jornais, porque a crítica literária e do que eu conheço da Alemanha, são feitas em programas televisivos, e que são jornalistas muitos deles especializados em questões de literatura claro, que o fazem, como também a crítica da arte, em geral da pintura, da escultura, podem e devem ser os jornalistas a fazerem, o jornalismo deve ser uma forma que deve envolver de facto este conhecimento de questões culturais, e tornarem-se eles próprios em críticos de literatura, porquê que não? Porquê que tem que ser só os académicos? Os académicos estão para fazer outras coisas, também podem faze-lo, mas estão geralmente envolvidos no ensino das literaturas, na formação de estudantes etc. E a procura de novos enquadramentos, de normas, eu próprio, penso que na verdade aos jornalistas cabe esta tarefa também, pode ser aos académicos, mas aos jornalistas também.

 

Há  uma questão algo polémica, que gostaríamos de o colocar, que tem haver, com a questão da angolanidade na literatura, podemos falar de angolanidade na literatura?

 

Eu penso que sim, já  tive muitas polémicas a volta desta questão, risos… já  foram atrás, mas eu penso que sim, angolanidade na literatura, é  a projecção de um conjunto de características, de uma conjunto de valores, que acabam por estar representados na literatura, porque a literatura, é produzida por alguém que participa nestes valores, que participa nestas características não é? Penso que sim, e que tem haver naturalmente com o referente nacional.

 

Tem ligação com aquela velha discussão colocada na cidade do Porto, numa conferência com escritores dos Palop´s, onde se discutia a questões da Cabo-verdianidade, Moçambiquianidade, e Angolanidade, nestas literaturas?


Se tem! Tem referência, agora a problemática da angolanidade na literatura, a problemática da cabo-verdianidade na literatura, como tudo na vida se transforma, hoje estas nacionalidade, quer Angolana, quer a Cabo-verdiana, já estão consolidadas, ou estão em vias de consolidação muito mais a frente do que estavam estas questões não é! Ai sim, havia a preocupação de se demarcar aquilo que era a literatura cabo-verdiana ou angolana daquilo que era a literatura portuguesa, hoje isto já está mas do que demarcado, por isso até o conceito e o termo em si, perderam muito da sua pujança, porque já não há necessidade, quando o corpo está sã, não se vai ao, medico não é?

Agora indo para apreciação do trabalho desenvolvidos por alguns escritores, começando pelo Óscar Ribas, que apreciação da produção literária deste nome da nossa literatura?

Eu uma vez fiz uma entrevista com o Óscar Ribas, e chamei a prova dos nove da literatura angolana, porque ele de facto foi o homem que projectou, foi um folclorista, e projectou muita da oralidade literária, sobretudo desta região de Luanda, ela em si já misturada é claro, mas foi o homem que na verdade deu pujança e visibilidade a tradição oral, a literatura oral, dos primeiros a dá-lo não é! E trabalhando em termos de escritas literária, e, é na minha opinião o grande folclorista angolano não? O câmara cascudo de Angola, foi nesta medida o grande folclorista angolano, foi um grande escritor, um grande etnógrafo, por isso merece e como aconteceu, merece ser celebrado pela cultura angolana não é?

 

Que outro escritores, merecem desta que aqui nesta conversa professor?

 

São tantos, os já  morreram, olha como poeta o Agostinho Neto, há tempos houve uma polémica que eu não entendi lá muito bem, mas foi a volta da obra poética de Agostinho Neto, mas… ela em si acabou por ser muito reducionista, porque o Agostinho Neto tem poemas muito bons, como também tem poemas que são mais fracos, mas tem poemas que são muito bons, mas mesmo muito bons. Portanto, eu não entendi lá muito bem esta polémica, mais também não quis entrar nela. Mas o Agostinho Neto, é sem duvidas um poeta de referência, um poeta pan - africanista, e um dos grandes poetas de língua portuguesa, há outros escritores como o António de Assis Júnior, para mim é um grande escritor, há outros escritores ainda lá mas para trás, o Alfredo Trony, e quer dizer que estão mais próximos, uns até não são muito celebrados, porque fogem um pouco ao cânone, como é o caso do meu amigo Manuel dos Santos Lima, que é um grande escritor e um grande intelectual angolano, e depois todos aqueles escritores que legitimamente são celerados, a começar pelo também meu amigo Agostinho Mendes de Carvalho, Wayanga Xitu, um escritor que marca o cânone, para além de outro como Pepetela, o Manuel Rui, o Luandino Viera, que embora um bocado recuado, é também alguém que contribui, foi um marco na literatura angolana.

 

Quais são os escritores que demarcam as varias gerações literárias?

 

Os da geração da utopia, os próprio Pepetela, o Luandino Vieira, o Wayanga Xitu, o Agostinho Neto, são os escritores da geração da utopia, mas também são da geração pós utopia, o Manuel Rui, o Arnaldo Santos, são da geração pós utopia, e outros mas novos que têm surgido e que temos tido a oportunidade de ler e que sido publicados e com muita pujança e são muito interessantes, que já marcam os novos tempos.

 

Tendo em conta a formação de varias universidades em Angola, com diversos cursos de literatura, em das diferentes Faculdades de Letras, que futuro prevê, para nossa literatura professor?

Acredito que nestes cursos há-de sair os tais críticos que necessita a literatura angolana não é? Provavelmente, sairão quase certeza não é? Eu penso que é sempre bom a criação de novas Universidades, a divulgação dos saberes, a criação de novos saberes, é sempre muito bom para as sociedades mesmo que depois não haja a tradução destas formações no mercado não é?  Mas isto já é outra questão, no mercado no sentido de que depois consigam empregos compatíveis com a sua formação, isto acontece muito por todo mundo não é? Mais é muito bom formar, de certeza que a literatura angolana e a cultura angolana, sairão a ganhar com as diversas formações.

 

Tendo em conta, a importância que a língua portuguesa, exerce hoje no mundo, que papel o português de Angola que se fala em Angola, e a nossa literatura, pode jogar no enriquecimento da língua portuguesa de uma maneira geral?

 

Já está  jogar, há palavras que no Português europeu como é chamado, como por exemplo Kota, que vem daqui, não é? Provem do dikota, que vem da língua Kimbundu, e outras palavras que vêm, as línguas são sempre plásticas, que tentam absorver os ambientes e os contextos onde elas são faladas e desta plasticidade vem o enriquecimento, e a literatura angolana, a cultura angolana, a língua portuguesa em Angolana, acaba por ser uma língua nacional angolana está ai e a dar bons frutos e que irá certamente contribuir de forma bastante significativa para o enriquecimento da língua, quer em termos de sentidos, quer em termos de riqueza semântica, que irá enriquecer certamente.

 

Professor, para terminar gostávamos que a guisa de recado, deixasse uma palavra aos estudantes e não só, que têm pretensões em abraçar este mundo exigente da critica literária?


Não só da critica literária, os estudante de literatura, podem enveredar por apenas por serem académicos, professores de literatura, escritores. Agora,  a literatura e a relação que as pessoas têm com a literatura, tem um certo sabor iniciático, se eles não verdade estão propensos e gostam de estudar literatura, gostam da palavra escrita literária, que aprofundem esta relação, não olhem para questão do mercado, se vão ou não ter emprego, porque nós ao estudarmos, devemos estudar aquilo que gostamos, e deste aprofundamento virão frutos de certeza, e virá criatividade e novidade, e eu se é que tenho autoridade, porque é uma questão que pode ser colocada, apenas estou a falar como mais velho que anda por estas andanças, como mais velho, digo que devem se têm esta propensão, se têm este gosto pela literatura então que aprofundem este gosto.