Luanda - "...não me oponho a qualquer alteração administrativa (...) desde que as contrapartidas sejam também benéficas para a população em geral e não somente para defender os interesses económicos de alguns." Desabafou o general Manuel  Carvalho Pacavira, em carta aberta divulgada no "Semanário Angolense".

 

"O que nós mais queremos é o desenvolvimento genuíno das nossas terras. Em vez do retrocesso queremos emprego, habitação condigna, desenvolvimento económico, escolas, hospitais". Lê-se ainda na referida carta de repudia que repassamos sem censura a seguir:


Fonte: Semanário Angolense & Club-k.net

Carta aberta ao Chefe do Executivo de Angola


Excelentíssimo
Senhor Presidente da República,

Correndo o risco de esta missiva não chegar as vossas mãos, tomamos a liberdade de a remeter, para divulgação, ao maior número possível de órgãos de comunicação no nosso país, fazendo-a também circular via Internet para repudiar mais uma atitude menos correcta do executivo liderado por V.Exa.


Fomos recentemente surpreendidos com a informação tornada pública por via do Ministério da Administração do Território (MAT), na pessoa do seu titular, quanto às intenções do executivo de reestruturar os limites geográfico da província do Bengo.


Como cidadão deste país e munícipe de Icolo e Bengo não me oponho a qualquer alteração administrativa que possa ocorrer em todo território nacional desde que as contrapartidas sejam também benéficas para a população em geral e não somente para defender os interesses económicos de alguns.


Sr. Presidente, Qualquer alteração administrativa não mexe apenas com a terra; tem outras implicações: envolve pessoas, hábitos, costumes, etc. Qualquer pessoa de bom senso teria no mínimo consultada genuinamente os povos desta região antes de pretender tomar qualquer decisão em seu nome.


Mais ainda, não se coaduna com algumas das suas orientações dos últimos tempos, recordo-me, à título de exemplo, de dois trechos do seu discurso à nação aquando do empossamento do Governo de Angola saído das eleições de 2008 (Outubro 2008), que passo a citar:
«A discussão de alguns assuntos com os cidadãos destinatários da nossa acção e com organizações da sociedade civil e ainda o diálogo e a concertação regulares com os parceiros sociais (empregadores e centrais sindicais) são vias que garantem uma participação organizada no tratamento das questões e reforçam a compreensão e a estabilidade política.» «...O combate à fome e a à pobreza é uma prioridade de primeira linha...»


Estas suas palavras ecoaram em nós como novos tempos de mudança em que teríamos um novo Governo eleito por nós e para nós.
No entanto, para a maioria de nós continua a ser a mesma miragem do passado. As nossas preocupações são ignoradas. Será que é pedir de mais aos nossos decisores para que conosco conversem conforme vossa sábia orientação?


O que nós mais queremos é o desenvolvimento genuíno das nossas terras. Em vez do retrocesso queremos emprego, habitação condigna, desenvolvimento económico, escolas, hospitais.


Excelência, Hoje que celebramos mais um dia de África, dia que simboliza a consolidação da vontade expressa por alguns dos melhores filhos do continente, convém relembrar os enormes sacrifícios consentidos por Angola e por muitos de nós para alcançar os frutos da Paz.


Lembramo-nos de Abdel Nasser, Kwame Nkrumah, Julius Nyerere, Ben Bella, Patrice Lumumba, Amílcar Cabral e todos outros anónimos que muito se bateram para dignificar os nossos povos.


Em Angola também tivemos os nossos heróis e o Bengo, como outros lugares, viu nascer alguns dos seus melhores filhos (José Mendes de Carvalho «Hoji-Ya-Henda», Deolinda Rodrigues, Agostinho Neto, Paiva Domingos da Silva, Neves Bendinha, e outros já falecidos para não mencionar os poucos que ainda se encontram em vida) que tudo fizeram para dar continuidade ao propósito máximo almejado pelos nossos povos durante séculos. Será que estes não merecem paz e sossego?


Ou Será que os interesses económicos devem sobrepor-se aos ideais mais nobres de qualquer nação (Terra, Cultura)?
Por vezes, ficamos com a sensação que alguns membros auxiliares do seu executivo não nutrem o mínimo de respeito nem consideração pelos povos desta terra e pretendem infringir a última humilhação retirando-lhes a terra.


Os argumentos avançados por alguns auto-proclamados «experts» do Executivo em defesa da anexação de partes do actual território da província do Bengo a Luanda, não faz o menor sentido.


Como é do conhecimento de muitos de nós não «experts» mas experimentados com as décadas de «auto-didactismo», um dos problemas da urbanização desorganizada da Província de Luanda tem que ver com a falta gestão parcimoniosa e racional dos recursos existentes.


Fala-se constantemente na necessidade de descentralização e desconcentração das decisões ao nível do país, contudo esta medida apenas virá agravar os desafos já existentes na gestão urbana da província de Luanda.


O pouco que conheço de outras grandes cidades, como a cidade de São Paulo no Brasil, o número de municipalidades, na maior parte dos casos tem aumentado para melhor servir os interesses dos seus munícipes.


Temos na memória a presença em Angola do antigo Chefe de Estado brasileiro (Fernando Henrique Cardoso), quando dissertava na Escola Nacional de Administração (ENAD) sobre estas temáticas em Junho transacto e chamava atenção aos decisores à necessidade de dialogar mais com as comunidades para que o resultado das suas acções possam ser conduzidas de encontro com as necessidades dos cidadãos.


Sr. Presidente,Será que os Angolanos que vivem fora de Luanda também não podem beneficiar de infraestruturas de referência como um novo Aeroporto, um novo Porto Comercial? Será que nós não nos podemos beneficiar de receitas fiscais e parafiscais de empreendimentos como o da Coca-Cola ou da exploração de inertes?


São muitas as perguntas que continuam sem respostas de quem de direito.Bem haja a terra que viu nascer estes ilustres filhos do Bengo.

 

Manuel Paulo Mendes de Carvalho Pacavira
(Tenente General na Reserva)

Icolo e Bengo, 25 de Maio de 2010