“fraude-que-antes-de-ser-já-era”

A verdade é que o assunto não é de agora. Como se sabe, a legislação existente determina que as emissoras privadas só podem transmitir em frequência modulada, dentro de um raio de 50 quilómetros. Ora, a Rádio Despertar está a emitir num raio de 200 quilómetros. Há pelo menos quatro meses que a emissora tem vindo a ser notificada para deixar de fazê-lo, mas, até à última notificação, não se dignava sequer a responder. Segundo um jornal local, estava à espera dos técnicos italianos que montaram os emissores, os quais estavam muito ocupados, algures num país qualquer.

Para mim, é evidente que a UNITA está a jogar, sobretudo, para as eleições de 2012. Nas eleições deste ano, a sua aposta é desacreditar ao máximo o processo, a fim de criar dificuldades ao próximo Governo. Daí a sua insistência na “fraude-que-antes-de-ser-já-era”. A utilização da Rádio Despertar para mera propaganda partidária e, em especial, a extensão do seu sinal além do raio legalmente definido para todas as FMs insere-se igualmente nessa estratégia. Trata-se claramente de uma provocação.

Recordo que se se inscreviam nessa estratégia as alegações de que havia cidadãos que não tinham sido registados, assim como as insinuações de que as armas em posse ilegal dos cidadãos seriam uma “manobra do MPLA”. Ambos os discursos faliram rapidamente, por duas razões: primeiro, ficou provado que não houve cidadãos por registar; e, segundo, a descoberta de uma enorme quantidade de paióis enterrados pelas antigas forças militares da UNITA demonstrou que o desarmamento é uma questão de toda a sociedade e não apenas deste ou daquele.

A questão é: como lidar com esse tipo de provocações?
O Governo tem de saber agir em condições políticas e sociais adversas, não entrando em pânico nem reagindo de maneira emotiva e musculada. Apesar dos argumentos técnico-legais existentes serem irrefutáveis, a natureza política deste assunto é incontornável. A tomada de medidas extremas, sobretudo em contextos eleitorais, implica, no mínimo, uma clara compreensão por parte da opinião pública local, mas não só.

Na minha opinião, a melhor maneira de lidar com as provocações que visam desacreditar o processo eleitoral é denunciá-las, usando adequadamente a comunicação, em todas as suas formas (incluindo a diplomática). Até agora, porém, a maneira como este caso está a ser tratado demonstra mais uma vez o défice comunicacional do Governo, entre o qual avulta a inexistência de uma assessoria de imprensa competente.

De toda a forma, quaisquer medidas para obrigar a Rádio Despertar a actuar dentro dos marcos legais devem ser tomadas de molde a tornar claro aos olhos da opinião pública que o Governo e o partido no poder estão empenhados no reforço constante do sistema democrático. Isso – é preciso dizer – implica o respeito pela lei e pelas instituições.

A sociedade, de um modo geral, espera que o MPLA continue a ser o caminho seguro para a gradual e efectiva democratização, desenvolvimento e modernização de Angola.

Uma questão de nível
As relações entre comunicação, manipulação e poder suscitam um debate teórico-científico e político-ideológico permanente. No campo particular da comunicação política, esse debate agudiza-se de maneira especial em períodos eleitorais ou pré-eleitorais, como aquele que estamos a viver presentemente.

Em tais períodos, é habitual a oposição acusar quem estiver no poder de manipular a comunicação, como se ela não fizesse o mesmo. Em sociedades onde exista um sistema público de comunicação, a acusação pode assumir duas vertentes: a primeira é acusar o Governo de usar os meios públicos para a sua própria campanha; a segunda é acusá-lo de tentar silenciar a oposição.
Nesses casos, a imprensa pública deve esforçar-se seriamente para não dar argumentos aos seus adversários. A aposta na credibilidade é crucial. Para isso, uma das exigências é o tom. Os meios de comunicação do Estado não devem, sob nenhum pretexto ou motivo, por mais justo que seja, abrigar textos escritos com “linguagem de carroceiro”.

Fonte: Jornal de Angola