Kopelipa: Como é que este cidadão se tornou rico...

FOLHA 8 - Como vê a actual situação política?
Fernando Macedo - Caracterizo-a como uma situação de inaceitável desrespeito pelas liberdades, mormente das liberdades civis e políticas. Uma Angola que no plano político, económico e social marcha a duas velocidades. Luanda e o resto. E ao que parece, esse estado de coisas é deliberado...

F8 - Na sua perspectiva o país está melhor depois do cessar-fogo entre a Unita militar e o Governo?
FM - Pusemos fim a uma forma particular de violência, a guerra, embora tenhamos ainda a complexa situação de Cabinda. Todavia, não nos esqueçamos de que a violência tem várias formas de manifestação. Por exemplo, a corrupção, a pobreza, a incompetência e outras mais.
 
O que mudou?
Os angolanos deixaram de ser humilhados por via da vitrina das grandes cadeias de televisões como a CNN... Não gostaria de voltar a falar desse momento horripilante que foi a década de 90 do século passado!

Como está a ver a actual política de reconciliação?
O mais-velho Holden Roberto disse-me uma vez que nunca tínhamos tido «uma conciliação nacional» e por essa razão não lhe parecia correcto usarmos a palavra reconciliação. Ainda hoje tento compreender o alcance do que ele pretendia dizer.

Na sua opinião considera não haver reconciliação?
Preocupa-me a persistência da estratégia de apagar da História da construção de Angola os vários protagonismos que têm contribuindo para a sua edificação...
 
O que deveria ser feito para serem lançadas as verdadeiras sementes?
Começar de forma irreversível a edificação do Estado democrático de direito, que ainda é uma realidade apenas formal no texto da Constituição.

Como encara a política de reconstrução de Angola?
Parece-me condenada ao fracasso se não invertermos rapidamente as premissas erradas em que assenta. Empresários faz-de-conta, empresários testas-de-ferro, empresários que permanentemente vivem de subsídios de bancos para brincar às empresas. E, pior, um sistema de ensino faz-de-conta... Infelizmente as excepções à regra não podem por si só mudar o status quo.
    
Sente-se orgulhoso pelo crescimento económico de Angola?
Nascemos todos num país com petróleo, diamantes e outros recursos naturais. Neste momento, o nosso crescimento significa apenas mais exploração de petróleo e diamantes, salvo sejam alguns pequenos ganhos sem impacto estrutural. Temos mais dinheiro para a importação de tudo e mais alguma coisa, sobretudo de carros, mão-de-obra não qualificada... Sinto-me feliz por ser cidadão de um país com enormes recursos, mas triste por saber que não estamos a reinvestir de forma sábia a renda ganha com a extracção desses recursos perecíveis.
 
Não acha um sinal haver agora uma melhor gestão dos recursos do país?
É sabido que não temos ainda um sistema de gestão consolidada e transparente da conta geral do Estado. E não há transparência em relação aos contratos de exploração do petróleo firmados com as multinacionais. Há informação relevante à qual o cidadão não tem acesso.

Para si, existe uma diferença abismal entre crescimento e desenvolvimento social?
Sim! Estes dois conceitos têm significados diferentes

O que deveria ser feito nesta conjuntura?
Nesta conjuntura e sempre, investimento na qualidade do ensino.
      
Não acha haver investimentos nas estruturas como estradas e pontes?
O investimento em estruturas como estradas e pontes constitui um facto indesmentível!

Que opinião tem da recuperação das infraestruturas como estradas e pontes?
FM - Está orientada pelo princípio de impressionar e ter repercussões nas próximas eleições... Estamos a cometer erros crassos nesse processo.

Que opinião tem da dependência da economia em relação ao petróleo?
FM - Constitui um problema de natureza estrutural, que tem a ver com a fraca qualificação dos recursos humanos de que dispomos. E é preciso inverter este quadro o mais depressa possível.
 
O governo havia criado um fundo do petróleo com base no seu aumento, acha que deveria comunicar ao país a utilização e os critérios destes fundos?
A ideia e a medida em si são louváveis e estratégicas. Há, no entanto, a obrigação de que a gestão desse fundo esteja submetida a um conjunto de regras e procedimentos claramente estabelecidos para que os cidadãos a possam fiscalizar.
 
Acha haver corrupção?
Todos sabemos que existe. Mas há entre nós, com muita coragem, quem lhe atribui outro nome, acumulação primitiva de capital. Haja paciência... Trata-se de uma leitura desinformada da história da humanidade. A afirmação do capitalismo não foi solitária. Fez-se concomitantemente com a edificação do Estado liberal, com a luta pela afirmação dos direitos fundamentais da pessoa humana, mais tarde rebaptizados com o nome de direitos humanos. Ao longo da história do capitalismo muitos alcapones foram presos, outros conseguiram dealbar e manter o capital criado com o suor, exploração e morte de milhões de pessoas. Marx e o marxismo ajudaram a corrigir os excessos do capitalismo, que não é perfeito. A defesa da acumulação primitiva de capital nos termos em que é feita, e no contexto actual, constitui a apologia da guerra de todos contra todos, na medida em que só temos que ter armas, mais força e ferocidade do que os outros, para nos apropriarmos do aparelho do Estado e submeter tudo o resto. Quem consegue chegar ao poder só precisa de se manter forte para conservá-lo... e os outros, distraídos, ficavam a ver navios... a realidade é outra...

Como encara o mais recente discurso do Presidente da República sobre a promiscuidade dos políticos?
FM - Mais um discurso... muito convincente, sem dúvida... Na mesma semana é concedido o estatuto de utilidade pública ao Movimento Nacional Espontâneo, que passa publicidade política em favor de José Eduardo dos Santos e do MPLA no Jornal de Angola. Os jornais não param de revelar capacidades financeiras extraordinárias do senhor general Kopelipa. Como é que este cidadão se tornou rico e tem tantos empreendimentos?

Não acredita que esse seja um sinal?
O senhor está a fazer-me uma pergunta muito fácil, que se pode responder prestando atenção à prática política do Presidente da República. Diz-se que os actos falam mais do que as palavras... A conclusão do relatório sobre a queda do prédio da DNIC é lapidar para percebermos a postura do senhor Presidente ao longo do seu longo consulado.

Qual a sua opinião sobre a preparação das eleições?
A seriedade e transparência das eleições vão depender, determinantemente, do empenhamento do Presidente da República e do presidente do MPLA. Primeiro, o empenhamento do Chefe do Governo, acompanhando a gestão diária das responsabilidades do executivo. Segundo, a intervenção do líder do MPLA para pôr fim à maneira de alguns camaradas fazerem política. Comportam-se como donos das terras mais distantes de Luanda e mestres do terror político. Têm criado obstáculos de monta ao pleno exercício das liberdades civis e políticas. Os factos vão-se avolumando há pelo menos dois anos. Prisões, inviabilização de espectáculos musicais, vandalização de sedes de partidos políticos, perseguição a jornalistas, proibições de manifestações pacíficas e outras práticas mais...

Como considera a composição do CNE?
Uma opção conscientemente calculada para produzir os efeitos desejados.
     
F8 - Na sua opinião o órgão não é insuspeito e imparcial?
FM - Faz-me uma pergunta muito difícil. Não se importa de me fazer uma pergunta mais fácil?
 
Como deveria ser a composição do CNE?
Apartidária...

Não acha positivo a posição do MPLA em recuar na sua tentativa inicial de adulterar a Lei Eleitoral?
FM - Demonstra uma boa capacidade de leitura do contexto político nacional e internacional. Estou persuadido de que certamente o senhor Presidente da República terá tido uma palavra. Quero ter acesso ao texto da resolução, entretanto, aprovada pela Assembleia Nacional

Acredita numa gestão transparente das eleições?
A esperança deve ser a última a morrer... 

Acha que Angola corre o risco de se transformar no Zimbabwe?
Que Deus nos livre e guarde... que a peste não se alastre até aqui, como diz Manuel Rui Monteiro. Mas, paradoxalmente, em alguns aspectos, Angola é um zimbabwezinho. Corrupção, violência política, comunicação social do Estado...

O que se deveria fazer a Robert Mugabe?
Orar muito para que Deus se apiede do Zimbabwe e dele!

Que opinião tem dele?
Parece-me um ser com instintos diabólicos. Penso que Manuel Rui Monteiro tem razão. Robert Mugabe precisa mesmo, mas de verdade, de um bom tratamento tradicional...

Como vê a distribuição da riqueza nacional?
Ainda é um projecto de um pequeno grupo, que brinca à política e às empresas! Falta-nos Estado... só com o Estado é possível falar de distribuição da riqueza.

Como encara a gestão do Presidente dos Santos?
Com altos e baixos. Também tem obras boas. Mas devo dizer, com toda a sinceridade, que esgotou a sua capacidade de fazer melhor. Já está há muito tempo no poder... está na curva descendente. Atente-se às promessas de construção de casas e empregos. É a minha modesta opinião. Perece-me, no entanto, que se vai candidatar à presidência da República nas próximas eleições. E atenção, tem a mesma chance que os outros candidatos, pode ganhar a eleição presidencial. Tudo está em aberto.
 
Não acha que ele é o melhor líder para Angola?
Respeito a opinião dos membros, amigos e simpatizantes do MPLA e de outros cidadãos que o vêem como o melhor líder para Angola. Penso que é chegado o momento de se reformar, sem sobressaltos.

Acredita no MPLA como sendo o melhor partido em Angola?
Para todos os que o têm no coração é o melhor... temos de respeitar a liberdade de escolha dos que pensam assim.

Como encara a riqueza dos filhos do Presidente da República?
FM - Produto da genialidade, muito trabalho e grande capacidade de liderança diária das suas empresas...
 
Acredita na CNE e no seu Presidente?
Mais uma vez, faz-me uma pergunta difícil...
 
Como viu a doação do Canal 2?
Como um presente de Natal. Caído do céu!

O que falta aos angolanos?
Em vez da corrida aos canudos, sede de conhecimento e afirmação pela competência. Quanto ao resto somos um povo com um grande potencial. Precisamos é de compreender e deixar que as lideranças se afirmem. Digo lideranças e não liderança. Lideranças nos vários domínios da vida social, política, económica, cultural e moral. 

Acredita que as eleições venham a ser livres, justas e transparentes?
FM - Está tudo em aberto. Dependem determinantemente da liderança do mais-velho José Eduardo dos Santos.

O homem da notícia
Fernando Macedo é natural do Kwanza-Norte, município do Cazengo
Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade do Minho, Portugal
Mestre em Ciência Política pela Northeastern University, Bóston, Estados Unidos da América 
Presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD)
Docente Universitário na Universidade Lusíada de Angola e Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto – onde lecciona as cadeiras de Direito Constitucional e Direitos Humanos

Fonte: Folha8