Luanda - Um dia após Isaias Samakuva, líder do maior partido da Oposição, ter concedido a entrevista ao Novo Jornal, foi convidado a comparecer à Cidade Alta de onde recebeu, por parte do ministro do Estado e Chefe da casa Civil, Carlos Feijó às desculpas formais por não ter sido convidado a estar presente nas comemorações dos trinta e cinco anos da independência nacional, no estádio 11 de Novembro, por erro de uma funcionária afecta ao protocolo de Estado que se terá esquecido de enviar o seu convite. Gaff à parte, O NJ contactou Samakuva no sentido de abordarem questões atinentes ao país e da vida interna do seu partido.


*Ana Margoso
Fonte: Novo Jornal




Há quanto tempo não é convidado pelo PR para falarem sobre o país?

Já não me recordo. Penso que estive com PR na passagem de ano, se não estou em erro, estive na cerimónia de cumprimentos de fim de ano.


Certamente que não deu tempo para conversarem sobre algumas questões pendentes dos acordos que foram assinando ao longo dos anos, saídos de Lusaka a Luena.

Em relação a este assunto eu tive várias conversas com o Presidente da República no decorrer destes anos todos onde levantamos as questões pendentes dos acordos. Mas, paralelamente aos encontros com o senhor PR onde nós abordamos esta questão, nós tínhamos uma delegação que fazia parte daquilo que chamávamos de mecanismo bilateral. Este grupo de trabalho era composto por membros da UNITA e do Governo, e destinava-se a implementação das tarefas pendentes dos acordos. Após as eleições de 2008, esse grupo foi unilateralmente extinto, dado por encerrado, e desde então nós procuramos ainda fazer os contactos com o executivo, através de vários canais, inclusive, através de correspondência. E, a última correspondência feita neste sentido, foi de facto dirigida ao Governo Central, no caso ao PR, e a resposta que nós obtivemos, foi uma resposta verbal e não por escrito, onde o emissário dizia que sim, o Sr. Presidente está informado sobre os, mas de momento não há disponibilidade para resolver as situações. Então, estas coisas continuam pendentes, algumas delas como deve imaginar a causar problemas sérios.




E como está a questão dos ex-militares das Fala?


Refiro-me exactamente a este ponto, não sei se o executivo tem a dimensão dos problemas que esta situação pode causar, e não sei mesmo se o executivo tem a ideia do esforço que nós fizemos para conter os ex-militares a tomarem decisões que eles dizem querer tomar, que não são boas, como deve imaginar. Portanto, parece-nos a nós que o nosso dever é evitar que haja problemas, que possam perturbar a tranquilidade, mas não sabemos até quando podemos conter estas intenções. Espero que os pronunciamento do PR que mais uma vez voltou a falar no sentido de velar pela vida dos antigos combatentes, ex-militares, e nós esperamos que isto não fique só em palavras, gostaríamos de ver que estas palavras se traduzam em actos concretos, porque há aqueles que nunca foram desmobilizados, e que não conseguem provar sequer que foram militares, há outros que tendo documentos de desmobilização andam à espera que se lhes paguem as suas pensões, e por ironia das coisas, até são aqueles que mais necessitam, e são a maioria. Quando o Sr. PR vem com esta questão em público, quer nos dizer que tem consciência do que se passa. Agora, ele é chefe do executivo, e fala, mas as coisas não acontecem, nós vamos esperar acontecer, depois tiramos as nossas conclusões.



Estamos a falar de disponibilidade financeira…


Sim. O Sr. PR tem um grupo de oficiais que trata desta questão, e a carta foi endereçada através deste grupo, e a resposta não veio por escrito. A resposta veio através destes oficiais generais, um deles até é o senhor ministro do Estado, o general Kopelipa que então dizia que o Sr. PR está ao ocorrente desta situação, mais que de momento não havia disponibilidade para resolver esta situação. Mas ao mesmo tempo se diz que a economia está boa, isso diz-se, mas na prática nós estamos a ver o contrário. É as pensões que não são pagas, é o salário dos trabalhadores que atrasa, é os compromissos do executivo que não são cumpridos, enfim. 



O Congresso da UNITA sempre sai em 2011?

Tivemos uma reunião da Comissão Política (CP) recentemente, e como dizem os nossos estatutos, o presidente convoca o Congresso ouvido a CP, no calendário político do nosso partido notei que a reunião da CP que nós realizámos agora, a coisa de quase dois meses, será a última antes do fim deste mandato, então havia toda a necessidade de ouvir a CP. Depois dos debates realizados à volta deste assunto, a CP concluiu que o Congresso devia ser realizado tão cedo, quando estivessem reunidas as condições para o efeito. Nós estamos a trabalhar no sentido de reunir estas condições, para que o Congresso seja realizado brevemente, tão logo estejam as condições criadas. 



O presidente Samakuva vai concorrer a sua sucessão?

Eu já não falo mais disso. Porque quando eu digo que não concorro, recebo mensagens de todo o lado a solicitarem audiência para criticarem aquilo que eu digo. Quando digo que vou concorrer, se assim for o desejo da maioria, então há uma minoria ruidosa também que fala, que diz… Então é melhor não falar, vamos esperar para ver o que vai acontecer.



Abel Chivukuvuku continua a dar mostra de querer assumir o destino da UNITA…


Qualquer cidadão membro da UNITA tem direito de estar na corrida. Aqueles que estiverem na corrida fazem-no por direito próprio.



E, como vão as vossas relações?


Não tenho problemas com ninguém. O meu pai dizia que não se pode viver sem ter problemas com ninguém, não é bom, só ter amigos, é preciso ter também alguns inimigos. Eu pareço que não tenho ainda inimigos. Agora, se me perguntar como estamos em termos das nossas posições em relação a determinados aspectos, da vida do partido e do país, aí, naturalmente, vamos ter ideias diferentes com uma ou outra pessoa.  Mas em termos pessoais eu não tenho problemas nem com o Abel, nem com qualquer outra pessoa.



E, Paulo Lukamba Gato?


Como já disse, eu não tenho problemas com ninguém. São amigos, são mais novos do que eu, conhecemo-nos a muito tempo, temos andado juntos, trabalhamos juntos, não temos qualquer problema pessoal. Também as diferenças de ideias que possamos ter aqui e acolá, eu as considero normais, salutares até. As pessoas às vezes especulam sobre as nossas relações, mas posso dizer que nós podemos ter ideias diferentes sobre questões do partido e da vida nacional, mas eu considero isto normal.



A UNITA tem-se queixado de problemas financeiros para realizar o Congresso em 2011, e aguentar eleições 0legislativas no ano seguinte. Como se encontra actualmente este partido, isto em termos financeiros?

Isso não é segredo para ninguém. Se os membros da UNITA se organizam para constituir uma firma, fazer alguma actividade lucrativa, são logo bloqueados. Se a UNITA tentar mobilizar-se para trabalhar são bloqueados. No entanto, a vida é uma luta e nós estamos a trabalhar seriamente para que possamos contornar estes obstáculos.



A imprensa tem comentado muito nos últimos dias que alguns militantes da UNITA estão a ser hostilizados pelo facto de serem a favor do Congresso. Fala-se no caso do secretário provincial da UNITA, no Kuanza Norte?


Alguma imprensa da nossa praça fala tanto que o PR já lhes chamou pasquins. Eu admiro e pergunto porquê que somos assim, às vezes penso que herdamos um bocado dos colonizadores. Agora já há escola de jornalismo aqui, e eu espero que haja de facto um grande avanço neste aspecto. Eu fiz seis meses de jornalismo, no meu curso de ciências sociais, e uma das coisas que aprendi é que não se pode publicar nada, sem se consultar a outra parte, acusada ou lesionada. Aqui não, as pessoas falam de boatos, escrevem sobre boatos… Há bom jornalistas nessa praça, não hajam dúvidas, mas este é o estado dos nossos media, estamos todos em crescimentos, e vimos os esforços que estão a ser feitos para crescermos também neste campo. Agora, sobre o que se especula, eu vi há duas semanas um artigo que dizia que o nosso secretário no Kuanza Norte estaria a ser hostilizado porque defendeu a realização do Congresso. Não foi o único, estarão todos a ser hostilizados ou só se escolheu o meu amigo Francisco Ebo, lá porque defendeu o Congresso. A UNITA desde há uns anos procura melhorar aquilo que desde o seu início procurou fazer, a verdadeira democracia, implementar a verdadeira democracia nas fileiras do partido. E, quando nós vamos a CP, nos tempos da mata era Comité Central, para o Bureau Político ou para o Congresso as pessoas falam mesmo, falam e dizem aquilo que sentem, e nunca houve problemas. Agora, curiosamente, nas matas as pessoas podiam temer o chicote, aqui já não há chicote, não há nada. Mas há aqueles que, quando chegam em fórum que devem falar, não falam, e vêm cá fora depois falam aquilo que não conseguiram falar nas reuniões. Mas o caso do meu caro Ebo, ele exprimiu aquilo que não foi só o seu desejo, dizia ele, mas aquilo que foi a expressão dos membros do Comité Provincial do K.Norte. Nós queríamos ouvir nesta reunião da CP o que os militantes pensam, e, devo lhe dizer que dos 80 inscritos para este tema só seis é que se pronunciaram a favor do Congresso. Um retirou a sua inscrição, ficaram sete, e nove disseram que para eles tanto fazia. Portanto, se houvesse Congresso estava bem, mas se não houvesse também estaria tudo muito bem. Simplesmente achavam que se houvesse Congresso não se devia tocar na liderança. Portanto, porque perseguiríamos um número tão reduzido, para quê? O Congresso é algo estatutário, e as questões colocadas são algo compreensíveis, porquê perseguir alguém, por ter exprimido o seu desejo? Isto não se passa com a UNITA. Não é verdade. O que existe são agitadores, que o fazem para criar turbulências. Nós sabemos, estamos calmos, curiosamente o Ebo até estava comigo quando saiu aquela matéria. 



E, como vai a relação da UNITA com os outros partidos? Nunca mais ouvimos falar do Fórum de Concertação?


Nós no passado falávamos com os outros partidos de uma forma, formal. Tínhamos uma plataforma, que tratavam de questões que dizem respeito a vida do país. Esta plataforma deixou de actuar em conjunto, estávamos sem reuniões, e posso mesmo dizer que a plataforma deixou de existir, porque também tinha sido criada para um propósito pacífico, que era a Constituição. De modo que, agora conversámos, às vezes outros líderes de partidos nos pedem para conversar, outras vezes somos nós que pedimos. Portanto, as relações são normais.



Sei que este ano o presidente Isaías Samakuva esteve com Jota Filipe Malakito, na cadeia de São Paulo. Em que versou a vossa conversa, e o que é que a UNITA tem feito ou poderá fazer para a sua libertação?


Nós encontramos o Sr. Malakito na cadeia de São Paulo. Por espanto, ele já tinha escrito para nós várias vezes, aliás, escreveu para toda a gente. Escreveu para o PR, escreveu para os líderes partidários, para a Procuradoria, para provedoria, enfim. E, nunca tinha tido a oportunidade de estar com ele, e encontrei-o de certa forma degradante. Mais tarde, isto em Agosto, recebi aqui no meu gabinete representantes do Sr. Malakito, que vinham pedir que a UNITA fizesse algumas diligências junto a Assembleia Nacional, e de outras instituições competentes para que se visse com justiça o caso do Sr. Malakito. Ora, isto passou-se. Passado algum tempo depois, veio na imprensa que a UNITA estava a querer intrometer-se nos assuntos do PRS, que a UNITA queria perturbar a situação no leste de Angola. Invenções. Tive a oportunidade de abordar o presidente Kuangana, que se mostrou surpreso, pois também não sabia de nada, portanto, deve ser alguém que se lembrou de dizer mais algumas coisas por aí. Voltando ao Sr. Jota Malakito, gostaria de me referir a questão da justiça no nosso país, que devo mesmo dizer ser degradante. Conheço pessoas que são juízes são procuradores da República, conheço as suas capacidades intelectuais, aquilo que estudaram, e não acredito que procedam como estão a proceder. É de facto preocupante, para aonde caminhamos? Subserviência? Medo ou crueldade? Porquê que mantém as pessoas nas cadeias sem julgamento, e às vezes até sem razão para estarem lá? O Sr. Malakito está fazer o que na cadeia? Acusado de que? Os seus companheiros já fizeram petições para tudo quanto é lado, e ninguém responde. Nem o Sr. Procurador da República, nem a Assembleia Nacional. Eles e os outros. No meio de tudo isso só podemos dizer aos angolanos que isso só acaba se mudarmos o regime. E, mesmo aqueles que estão no regime, também precisam do nosso apoio, precisam de ser libertos deste medo. Estive recentemente numa conferência na Itália, e um dos participantes é uma senhora que é Procuradora – geral do Botsuana. Quando abordamos questões do Estado de Direito, era impressionante a forma como aquela senhora falava do seu país, uma procuradora – geral exprimia a sua autoridade conferida pela lei, pela Constituição do seu país. Aqui temos uma constituição, confere-se uma autoridade aos órgãos judiciais e as pessoas não aproveitam. Estando naquele meio, como angolano, e eles sabendo do que se passa no nosso país a gente até sente vergonha. Até olhamos para o lado a ver se há um buraco… Gostaria de fazer um apelo aqueles que servem o sistema judicial no nosso país: que haja dignidade.  



Na sua opinião o sistema judicial em Angola está enfermo?


É só vermos o que aconteceu em Malange a semana passada. Pacíficos cidadãos, 15 no total, apanharam duas semanas de cadeia só porque no dia 11 de Novembro, à semelhança de outros do MPLA que envergaram camisolas do seu partido, eles envergaram camisolas da UNITA, e por isso foram presos. Diz-se que cometeram crimes da assoada, porque teriam passado perto do local do comício com as suas motorizadas. Mas se de facto houve uns poucos que passaram aí uns 200 metros do local, com as suas motorizadas, envergando camisolas da UNITA, esses desapareceram. Mas o governador, naquele momento mandou deter todos os elementos que tinham vestidas as camisolas da UNITA, e foram recolhidos, aqueles que foram encontrados com a camisola da UNITA. É essa a dignidade da nossa justiça.