No dia 5 de setembro, pela primeira vez desde 1992, os angolanos vão às urnas, para elegerem seus representantes no Congresso (a eleição presidencial está marcada para o ano que vem).

O partido para o qual Monforte trabalha é franco favorito, e se beneficia de um espetacular crescimento econômico, de cerca de 30% do PIB anualmente, ou três vezes o que cresce a China. O motivo é o aumento na exploração e nas exportações de petróleo.

Mas muito pouco até agora chegou ao bolso dos angolanos mais pobres. O país ainda é um oceano de favelas e miséria com algumas ilhas de luxo e riqueza. O crescimento pode estar tendo até um efeito colateral perverso: a enxurrada de petrodólares fez de Luanda, a capital do país, uma das cidades mais caras do mundo. O aluguel de um apartamento médio pode custar incríveis 10 mil dólares.

Direto da capital, Monforte deu uma entrevista por email ao blog e conta um pouco de sua vida e de como é fazer uma campanha em Angola, segundo ele ainda muito amadora.

Monforte lidera uma equipe com 58 brasileiros e 61 angolanos, e trabalha para a Propeg, uma agência baiana que já fez campanhas no país no passado.

Pé na África - Quantos brasileiros hoje trabalham com você na campanha do MPLA?

Monforte - Somos 119 profissionais aqui em Angola, dos quais 58 brasileiros e 61 angolanos.

Pé na África - São todos ligados à Propeg?

Monforte - O critério foi escolher bons profissionais de cada área. Nem todos pertencem ou pertenciam à Propeg.

Pé na África - Como surgiu o convite para o trabalho? Você tem experiência com campanhas políticas no Brasil?

Monforte - Eu já conhecia o presidente da Propeg, Fernando Barros, que me fez o convite, apostando apenas na minha experiência profissional: é a primeira campanha eleitoral em que eu trabalho.

Pé na África - Você sabe se há brasileiros também na campanha da Unita e de outros partidos de oposição?

Monforte - Não sei se há brasileiros em outras campanhas. O que sabemos, sem confirmação, é que existe uma empresa portuguesa trabalhando para a Unita.

Pé na África - Por que você acha que os angolanos gostam tanto de contratar brasileiros para fazer campanhas? Que eu me lembre, antes de você, trabalharam em Angola o jornalista Ricardo Noblat e o publicitário Edson Barbosa, que hoje faz o marketing do PSB...

Monforte - Há vários motivos. O primeiro é que os brasileiros são bons nisso. Segundo é o fator língua. E a Propeg já havia trabalhado na campanha das primeiras eleições angolanas da história, em 92. Nela, trabalhou pela Propeg o Noblat, como coordenador, cargo que eu ocupo agora.

Pé na África - Quais são os principais temas da campanha por aí?

Monforte - Os principais temas são fome, pobreza, geração de empregos -claro que o MPLA, dono do poder, que detém há mais de 30 anos, procura mostrar suas realizações. Os demais batem, criticam.

Pé na África - Como o crescimento espantoso do país, de quase 30% ao ano (três Chinas) está presente na campanha?

Monforte - O MPLA faz uma campanha otimista, dizendo que já fez muito nesses seis anos de paz e, modestamente, diz que ainda falta muito por fazer. A verdade é desses 30 anos de poder, a maior parte do tempo foi gasta em guerras. Só na paz é que está sendo possível fazer alguma coisa.

Pé na África - Há horário gratuito de TV por aí? Ou a campanha é toda paga com anúncios?

Monforte - Há debates, principalmente entre técnicos dos partidos e geralmente nas rádios que, aliás, não são obrigadas a veicular o chamado "tempo de antena", o nosso horário eleitoral.

Pé na África - Há debates entre os principais candidatos?

Monforte - Como disse, o tempo de antena é veiculado pelas emissoras estatais - rádio (Rádio Nacional) e televisão (a TPA - televisão pública de Angola).

Pé na África - Que diferenças de formato você identifica entre as campanhas no Brasil e em Angola? Existem jingles, vinhetas, participação de artistas?

Monforte - A campanha do MPLA, por ser feita por agência brasileira, claro, tem jeito brasileiro. Tem jingle, vinhetas, e pode ter artistas, se eles quiserem. Nada contra. Mas a maior parte da propaganda dos partidos (são 10 partidos e 4 coligações em disputa) é muito fraca, pobre em efeito e realizada de maneira amadora. Mas isso é compreensível: é a segunda eleição em Angola desde a independência. E essa é uma eleição apenas legislativa, em lista fechada. Não há candidatos, apenas partidos.

Pé na África - Foi difícil se adaptar à vida aí? Luanda é uma das cidades mais caras do mundo. Você já se acostumou aos preços e aos valores de aluguéis?

Monforte - Até que vivo uma situação cômoda por aqui. Estou instalado em hotel, com meia pensão, portanto, não tenho de gastar muito dinheiro em refeições. Mas é tudo muito caro mesmo, principalmente os aluguéis -assustadores.

 Pé na África - Essa é a primeira eleição em Angola em 16 anos. Qual o interesse que isso está despertando na população angolana? Há confiança de que a eleição será transparente?

Monforte - A população, no começo, ficou meio temerosa, afinal no meio da última eleição recomeçou uma guerra cruel. Mas agora parece que as coisas estão mais tranqüilas. E a democracia está sendo levada a sério. Vários observadores internacionais já chegaram por aqui, para fiscalizar o processo.

 Pé na África - Vocês importaram para a campanha alguma idéia, formato ou programa de governo do Brasil?

Monforte - Claro, alguma coisa é sempre importada, mas são realidades diferentes.

 Pé na África - Qual a participação do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, no dia a dia da campanha do MPLA?

Monforte - O presidente José Eduardo, por enquanto, tem uma atitude de estadista: abriu a campanha e não se envolveu. Mas como ele é o presidente do MPLA, a qualquer momento é possível que ele entre na campanha. Vamos ver.

Fonte: penaafrica.folha.blog.uol.com.br/