Luanda - Trabalhadores da Cuca suspensos por reclamarem de maus-tratos. Uma onda de descontentamento devido aos maus-tratos a que são submetidos instalou-se no seio dos trabalhadores da Cuca, a maior cervejeira angolana.  Suspensões arbitrárias, reformas obrigatórias e antecipada e atitudes racistas por parte do patronato são as queixas comuns.


* António Paulo
Fonte: Novo Jorna
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Nervos a flor da pele na BGI

No total são sete os funcionários da Companhia Unificada de Cervejas de Angola – Cuca BGI que se encontram suspensos das suas actividades laborais, incluindo a directora adjunta dos recursos humanos que viu a sua reforma compulsiva e obrigatória, por ter participado num abaixo-assinado em solidariedade para com os seus colegas que reclamavam os mesmos direitos de igualdade e de tratamento, segundo as nossas fontes.

  
A situação já perdura há algum tempo. Mas o caldo entornou há mais de três semanas quando os trabalhadores unilateralmente deixaram de comer no refeitório da empresa, como medida de protesto contra os maus-tratos e discriminação de vária ordem a que dizem estar submetidos.
Segundo os funcionários, que solicitaram o anonimato, o único refeitório da empresa está repartido em séries - a, b e c - ou seja, a sala dos expatriados que são os responsáveis máximos, na sua maioria cidadãos franceses e alguns poucos portugueses. Há ainda a sala dos encarregados e a dos trabalhadores de base que, no entender destes últimos, recebem  um tratamento desigual.


“Os expatriados têm uma comida melhor confeccionada, têm direito a sobremesa, água mineral e refrigerante. Ao passo que os subordinados não. Às vezes, chegamos a beber  água  turva, proveniente da torneira porque nem um bebedouro existe”, reclamaram as fontes.


Dizem mesmo que a comida que é servida aos trabalhadores de base e operários é mal confeccionada e, muitas vezes, é servida fresca, o que deixa transparecer que a ementa é cozinhada nos dias anteriores e conservada no congelador.


“Os cozinheiros não respeitam os trabalhadores. Eles dizem: comam se quiserem. Os expatriados têm tratamento de elite. Têm toalhas na mesa e nós não. Não há higiene. Servem-nos comida fresca e com escamas de peixe. E isto só acontece com os operários”, reclamaram.


Algumas vezes, contam, para comerem têm de esperar por talheres de outros colegas porque na cozinha há falta de tudo. Acentuam ainda, nas suas declarações, o facto de o fogão que cozinha para mais de mil pessoas funcionar apenas com uma boca. “Onde é que já se viu senhor jornalista? Uma empresa da dimensão da Cuca com estes problemas. É inacreditável”. 
Devido a estes e outros problemas, com maior incidência no refeitório, que é gerido por uma empresa privada, os funcionários da Cuca reclamaram recentemente dos maus-tratos, durante uma assembleia de trabalhadores realizada na empresa.


Os funcionários solicitaram aos patrões os mesmos direitos e igualdade no tratamento. Mas, ao que parece, segundo os queixosos, o pedido terá caído mal nos patrões que optaram por suspender alguns trabalhadores e reformar outros que já se encontravam em idade de reforma, mas que continuavam a desempenhar as suas funções em regime efectivo na empresa.


Fomentador de problemas

Para os trabalhadores, o sindicato local é o maior fomentador de problemas na empresa, uma vez que tem demonstrado estar ao serviço do patronato ao invés da defesa do funcionário.
“Vê que depois desta assembleia o próprio sindicato é que foi fazer queixa dos colegas, alegando que os chamaram de incompetentes e que não conseguem resolver os problemas dos funcionários. E, com isso, o director geral simplesmente decidiu suspender os nossos colegas que os afrontaram directamente”, explicaram as fontes.


“Por isso, fizemos um abaixo assinado para repor a legalidade que resultou em outras suspensões e a reforma da nossa colega que era até então, a directora adjunta dos Recursos Humanos”, sublinharam os operários visivelmente agastados com a situação.


Para os trabalhadores da Cuca, o actual sindicato deveria ser destituído uma vez que todos os integrantes da comissão sindical desempenham funções de realce na empresa, o que, no entender destes, já não se compadece com o real papel.  “Todos eles são responsáveis da empresa, como é que vão fazer frente ao patrão? Isto não está certo”, desabafaram.


Recuando no tempo, os reclamantes contaram episódios “tristes” que realçam a ditadura e racismo na empresa, e em que o sindicato, muitas vezes, se viu de braços atados e sem nada fazer, pelo facto de ter uma relação próxima com o patronato.


“Falamos de falta de respeito e ditadura. Dois colegas foram fechados cerca de 20 minutos dentro de um contentor por se terem recusado a cumprir uma ordem do chefe de departamento dos armazéns, que é um cidadão branco de nacionalidade francesa, e o sindicato não fez nada. Antes pelo contrário, foi em defesa do expatriado que a esta altura deveria ser repatriado. Senhor jornalista, onde é que está o peso deste sindicato?”, questionam.
A desigualdade de tratamento por parte dos funcionários angolanos é igualmente sentida na atribuição salarial e promoção. Segundo os trabalhadores, um chefe de departamento expatriado chega a ganhar acima dos 15 mil dólares com todas as regalias pagas, desde habitação e transporte, ao passo que um chefe angolano não passa de 300 mil kwanzas, o equivalente a três mil dólares norte-americanos.

 

Operários para sempre

Na Cuca, o nível académico dos funcionários não é tido em conta e a palavra de ordem é o “aumento da produção a qualquer custo”, de acordo com os funcionários. Citam, por exemplo, que um técnico superior licenciado ou não pode desempenhar a vida inteira a função de operário e auferir o mesmo salário que um funcionário de baixo ou sem nível de escolaridade.


A promoção processa-se de “forma restrita e lenta, com base no amiguismo, familiarismo”, ou ainda através da famosa linguagem interna que é “o cabrito”, entende-se por gasosa ou então a corrupção em dinheiro ou troca de favores.

 
Um operário não qualificado tem um salário correspondente a 30 mil kwanzas, ao passo que o  operário qualificado recebe como ordenado cerca de 70 mil kwanzas. “Isto para os quadros angolanos, porque os expatriados com as mesmas qualificações estão muito acima de nós”, revelaram os interlocutores.


Apesar dos investimentos tecnológicos que a empresa tem efectuado, com a aquisição de maquinaria de ponta, os funcionários dizem ser esforçados a lidar com os instrumentos, pelo facto de nunca beneficiarem de uma formação especializada para o manuseamento dos equipamentos.

 
Por outro lado, reclamam da fraca qualidade dos uniformes que lhes são entregues e pela demora na substituição dos mesmos. “Se uma garrafa rebenta, pode rasgar a camisa, ou as calças. As luvas são frágeis e danificam-se com facilidade e quando estraga a pessoa tem de esperar vários dias para a sua reposição. E enquanto isso sujeita-se”, denunciaram.
Os funcionários acusam ainda o director da empresa de ser uma pessoa ditadora e racista pelo facto deste se mostrar sempre distante dos problemas dos funcionários. “Ele diz trabalhem se quiserem, porque não é só a Cuca que tem problemas, mas o país inteiro”, disseram os reclamantes que pedem auxílio das autoridades governamentais.


Os trabalhadores dizem estar a viver uma espécie de apartheid moderno porque ninguém pode reivindicar e quem ousa fazé-lo é punido com o corte das grades, uma regalia da empresa, ou ainda com a suspensão das suas tarefas, reforma antecipada ou despedimentos.

 
O NJ procurou ouvir um responsável da empresa, mas todos os esforços resultaram em fracasso. Segundo apuramos dos funcionários, o director geral da empresa está fora do país  o director dos recursos humanos, Carlos Cardoso,não aceitou  falar para a nossa reportagem sem autorização. No Sindicato dos trabalhadores também não fomos bem sucedidos, porque os responsáveis também estavam ausentes. O NJ deixou o contacto telefônico, mas até ao fecho da edição, silencio foi a única resposta obtida.