Luanda - Se com a sua saída da sala na altura da votação do Projecto de Resolução Sobre o Pacote Legislativo Eleitoral, o que a UNITA queria era tirar do sério os deputados do maioritários e levá-los a cometer a borrada mais monumental de que há memória no Parlamento, pode-se dizer que alcançaram-no em cheio.


Fonte: SA


O comportamento arruaceiro dos sisudos deputados do MPLA à declaração do líder parlamentar da UNITA que «em nome do povo soberano de Angola em nome do Povo soberano de Angola, que não podemos e não iremos participar nesta fraude à Constituição da República de Angola e assim sendo, não existem condições para participar na votação do respectivo ponto da agenda de trabalhos desta Sessão Plenária», a sala entrou numa erupção nunca vista: entre gritos e vaias ouviam-se palavras como «seus tribalistas; quem vos deu a legitimidade de falar em nome dos povo sulano de Angola; o povo sulano que vocês mataram». Foi aí que, mais estridente que as outras, destacou-se a voz da médica e deputada Teresa Cohen com a frase lapidar: «vão-se embora e não voltem mais»…

 

A própria media, incluindo a pública não teve outro remédio senão dar eco ao escândalo, tão inesperado foi. E consumou-se um dos maiores estragos que o grupo parlamentar do Ême» fez ao seu partido. Curiosamente, um grupinho de 16 trocou as voltas e atirou uma casca de banana a um outro de quase duas centenas. Que esparramou-se ao comprido.

 

Porque a UNITA usou a astúcia para alcançar dois objectivos: o primeiro desviar as atenções da opinião pública interna das divisões internas que estavam a corroer potenciais eleitores e; segundo, aproveitar a presença em Luanda do grande número de diplomatas e Chefes de Estado da SADC para passar a imagem de um partido combativo e com condições de um dia tornar-se Poder. Com manha, astúcia, sorte e alguma sanzalice de alguns deputados do maioritário, pode-se dizer que atingiu plenamente os dois objectivos.


É que, por um lado era imperativo para a UNITA retomar a posição de um partido comprometido com a democracia constitucional. Essa imagem corria o risco de tornar-se uma farsa com a estória de Congresso ou não Congresso, eleição ou não eleição dos corpos dirigentes. Mesmo as explicações ddas por Samakuva ao «Angolense» e a«O PAÍS» não dissiparam as dúvidas sobre um partido e um Presidente que afirma cumprir fielmente a Constituição, mas pouco se preocupa em cumprir os Estatutos do seu partido – que para esse órgão é como uma constituição para os Estados.


Por outro lado, a UNITA perdeu muito terreno na arena internacional. Foi sintomático que Paulo Portas, um velho aliado nem tivesse feito qualquer esforço para encontrar-se com a direcção da UNITA. Da mesma forma, é quase tratada como pária pelas lideranças da quase totalidade dos países da região.

 


Por isso urgia protagonizar um facto político que a apresentasse como um elemento a ter em conta nas relações internacionais sub-regionais. O abandono dos debates do pacote eleitoral, para além de atrair – como atraiu – as atenções gerais, têm o condão ainda de certa forma preparar a opinião pública nacional e internacional a uma eventual crise pós-eleitoral desencadeada pela UNITA.

 

Tudo isso porém teria muito menos impacto que teve não fossem os impropérios – à boa maneira da sanzalada kaluanda – com que alguns deputados do MPLA brindaram os representantes da UNITA à sua decisão de abandonar os debates. Não fossem esses xinguilamentos descabidos que até envergonharam a Nação, seria como foi aquando da aprovação da Constituição: saíam os deputados da UNITA e na semana seguinte retomariam as discussões – como aliás terão mesmo que fazer – e o país continuaria para a frente com a vida. A reacção virulenta nada mais fez que trazer de volta no léxico político expressões «sulano, bailundo, etc) que constituem feridas que sangram desde as revoltas da UPA em 1961, a Revolta Activa em 1974, as purgas de 1978 e finalmente de 1992. Em todas estas, centenas, senão milhares de pessoas foram massacradas apenas por serem oriundos do Sul de Angola, com ênfase no Planalto Central. Dali a astúcia da UNITA que parece ter levado o MPLA a isso.

 

É que, analisados os dois documentos – a proposta da UNITA de 20 de Julho e o projecto finalmente aprovado – vêm-se tantos aspectos similares que parece fazer pouco sentido o que se lê na sua declaração que «não foi tida nem achada no prosseguimento das bilaterais que foram sendo realizadas para a discussão, na busca de consensos para as matérias controvertidas, dentre as quais as competências e atribuições da CNE - Comissão Nacional Eleitoral, que se quer verdadeiramente independente, em obediência ao Artigo 107º da Constituição da República». É que, a composição do CNE nos dois documentos tem quase exactamente o mesmo teor. Soubemos, entretanto que em vésperas da aprovação final, a UNITA produziu um outro documento com mudanças estruturantes – as tais que agora constituem as grandes diferenças – e que não colheram as simpatias do maioritário.

 


Ali se baseiam as análises que por um lado a UNITA complicou o processo ao ponto de inviabilizá-lo, e por outro o MPLA deixou-se mais uma vez levar pela sua maioria absoluta. Cada lado radicalizou e fizeram aquilo que os congressistas americanos não fizeram: permitir a ruptura em nome da estabilidade do país. Factor preocupante, tudo indica que esse respaldo na confortável maioria de um e a falta de compromisso com a estabilidade nacional ainda poderão causar sérios danos ao país.

 

Outro aspecto que este triste episódio traz à tona é a profunda desconfiança existente entre os dois maiores partidos do país e que já tantos estragos causou. Tanto um lado quanto o outro parece não considerar essencial para a referida estabilidade nacional que se estabeleça um clima de confiança e trabalho de equipa. Se noutros países o Presidente da República convida a sua casa para jantar o líder da oposição, qual é o problema que aqui aconteça o mesmo? Porquê um problema tão delicado como o pacote eleitoral não podia ser discutido pelos presidentes de todos os partidos políticos num ambiente informal de aconselhamento e harmonização de posições?

 

Por outro lado, e não podendo haver o desejado consenso – afinal quer se queira quer não, o MPLA tem a maioria que tem – porquê a UNITA não usa os mecanismos constitucionais que existem? Nessa senda, votava contra o projecto e solicitava o parecer do Tribunal Constitucional – que até tem uma juíza indicada por ela – a aferir da sua constitucionalidade? Ou, melhor ainda, solicitar o adiamento da discussão até o TC se pronunciar? Agora que abandonou o debate, o que vai fazer? Ausentar-se sempre? Para depois ter legitimidade para despoletar uma crise pós-eleitoral que pode ter consequências incalculáveis para o país?

 

Enfim, são perguntas que os políticos envolvidos devem sentir-se obrigados a responder. E aqui uma palavra de aplauso à postura de responsabilidade de Estado com que se têm pautado os deputados e direcções do PRS, FNLA, Nova Democracia e BD, para citar apenas estes. É esse compromisso com a estabilidade nacional que determina a maturidade de uma formação política para a governação.