Luanda - O etnocentrismo é uma atitude baseada na convicção de que o Povo a que pertence, com as suas crenças, tradições e valores, é um modelo a que tudo deve referir-se. No sentido mais lato, o etnocentrismo pode igualmente ser comparado com o tribalismo ou com o chauvinismo. Este fenómeno, na Era contemporânea, tem sido um dos factores principais de instabilidades sociopolíticas no seio das Comunidades – de diferentes Povos.


Fonte: baolinangua.blogspot.com

O Deputado Samy é Bakongo  nato

Recuando um pouco na história, registamos o dramático Holocausto do anti-semitismo levado a cabo pelo NAZI do Adolfo Hitler contra o Povo Judeu, inspirada pela Doutrina do Arianismo. A África viveu uma Guerra Civil devastadora da Biafra. Ela deixou Sequelas muito profundas na Sociedade da República Federal da Nigéria. O Genocídio do Povo Tutsi, em Ruanda, marcou uma página negra na História do Continente Africano. A Eritreia nasceu dos escombros deste fenómeno de subjugação. Acabamos de assistir este ano ao Nascimento do novo Estado Soberano do Sul do Sudão. Foram longas noites de trevas da repressão e exploração do Povo Negro do Sul pelos seus irmãos Árabes do Norte do Sudão.  

 

A Uganda é o País da África Oriental onde o Tribalismo tem sido o factor de convulsões sociopolíticas constantes nos últimos tempos. A Problemática dos Povos Curdos e Arménios, na Turquia, é bem conhecido por todos. Tibete é um outro acalcanhar de Aquiles para a República Popular da China. Seguimos de perto a disputa permanente pela Caxemira entre a Índia e o Paquistão, na busca da sua identidade nacional. A luta de afirmação cultural do Povo Tamil na Indonésia é outro facto evidente desta natureza. O Apartheid da África do Sul também não foge muito desta categorização; embora tivesse tido características muito mais complexas.

 

O etnocentrismo é um fenómeno muito sensível e prejudicial à qualquer Sociedade onde ele se manifestar. Em África, isso torna-se mais crítico. Pois, os nossos Estados actuais emergiram, de forma arbitrária, da junção de diversas Nações soberanas numa Jurisdição de um determinado Poder Colonial. O processo da construção de um Estado/Nação, na configuração actual, deve obedecer ao princípio do gradualismo. Passando por várias etapas da consciencialização, da integração, da harmonização e da consolidação da identidade nacional de todos os Povos integrantes. Não se trata de um processo meramente mecânico como o MPLA tem feito entender na sua teorização, segundo a qual: “Um só Povo; Uma só Nação.”
Por isso, é um grande desafio às Elites políticas e religiosas das nossas Sociedades que devem engajar-se firmemente no combate contra o etnocentrismo que ameaça seriamente a harmonia e a unidade dos nossos Povos. Todos descuidos neste respeito serão contra produtivo aos esforços da estabilidade social, cultural, económica e política, que tanto almejamos.

 


Por isso, o que aconteceu no Parlamento Angolano no dia 16 de Agosto de 2011, na altura da aprovação da Resolução sobre o Pacote Legislativo Eleitoral, constitui uma grande revelação de um sentimento latente, implantado nos Corações de certos Círculos do Poder. Alias, faz reviver as nossas memórias dos massacres pós eleitorais de 1992 e de 1993, em Luanda, contra Ovimbundos e Bakongo, respectivamente. O etnocentrismo, em Angola, tem a sua origem no sistema Colonial Português, da política de assimilação, que estratificava a Sociedade Angolana em distintos grupos raciais e sociais.

 

 Em termo doutrinário, a Política de assimilação tinha, acima de tudo, uma dose forte do racismo, impregnada na Teoria de “Dividir para melhor Reinar.” Além disso, visava a supressão da Cultura Bantu em substituição da Língua de Camões. A classificação social e racial da Sociedade Angolana pelo Poder colonial, embora não conferisse estatutos vantajosos aos diversos estratos da população local, em termos da dignidade humana e de liberdades e direitos fundamentais; porém, as minúsculas regalias atribuídas aos determinados grupos raciais ou sociais dos súbditos tinham impactos psicológicos extraordinários na Sociedade. Era, de facto, um instrumento potente de manter divididos os Povos colonizados em busca da liberdade e da auto-determinação.  

 

Com efeito, o acontecimento acima referido, protagonizado pelo Grupo Parlamentar do MPLA foi uma manifestação evidente do etnocentrismo. É um produto acabado do sistema de assimilação do Colonialismo. Ilustra duplamente o fervor etnocêntrico e o complexo de superioridade. Este comportamento de grandeza e de segregação sociocultural, como um vulcão adormecido, repousa num poder oculto que lhe inspira e sustenta.


Paradoxalmente, o processo da supressão da Cultura Bantu tivera ganho a maior intensidade no período pós independência, de 1976-1997. Nesta fase, dentre outras políticas, a Omissão do Ensino em Angola das Línguas Bantu. A chegada em peso da UNITA em Luanda e no Parlamento em 1997 ajudou, de forma paulatina, reduzir os níveis do sistema de assimilação, herdado do Colonialismo. Os Angolanos tinham o complexo e a timidez de valorizar publicamente as suas Línguas, Tradições e Costumes. Agora, nas Ruas de Luanda, já se constata o orgulho e a liberdade de falar em Línguas maternas do nosso País. 

 

Na realidade actual do País, o etnocentrismo se enquadra bem na Política da Hegemonia partidária assente numa Elite política opulenta cujo Poder apoia-se implicitamente na Cultura Crioula que assenta essencialmente nos Valores luso-brasileiros, sem um alicerce sólido da Cultura Bantu. Angola é uma Sociedade dividida entre a minúscula classe dos Ricos e a esmagadora classe dos Pobres. Os Ricos são detentores do Poder político e económico. Ao passo que, os Pobres são subordinados à classe dominante, incorporados no espaço social da Oposição. À luz da nova Constituição, de 2010, Artigo 15º, a terra é propriedade originária do Estado, o qual tem a legitimidade absoluta sobre ela, quer de transmissão aos terceiros quer da sua expropriação. Noutras palavras, no sistema do Partido/Estado, como o nosso, a Classe dominante é efectivamente a proprietária da Terra com plenos poderes de condicionar os Direitos fundamentais da Cidadania. Uma Classe que, de facto, está acima da Lei. 

 

Por tanto, na estratificação colonial os indígenas eram pobres, forçados a trabalhar nas fazendas do Café; nas plantações da cana-de-açúcar; na pesca; nos portos marítimos e na construção de estradas e linhas férreas. As populações rurais, sobretudo do Sul do País, eram contratadas para este tipo de trabalho. O termo “Bailundo” ou “Sulano” tinha a conotação pejorativa e depreciativa. A pobreza, a humilhação, o desprezo e a exploração da mão-de-obra barata faziam parte integrante do significado profundo desta terminologia que marcou fortemente a Sociedade Angolana, na sua dignidade humana.

 

Hoje, a postura de tratar a UNITA de “Sulano” assenta-se precisamente nos pressupostos acima referidos, de incorporar nesta Classe todos indivíduos que não fazem parte do Poder instituído. Só deste jeito que se encontra a lógica de incluir no “Sulano” o Deputado Gabriel Silvestre Samy, Presidente do Grupo Parlamentar, que apresentou a Moção do Grupo Parlamentar da UNITA. Se não, vejamos! O Deputado Samy é Bakongo, nato da Província do Zaire, da Cidade litoral do Soyo, ao extremo Norte de Angola. Outra incongruência reside no facto de que, a militância e a base social da UNITA não limita-se exclusivamente aos Povos do Sul de Angola.


Por outro lado, entre os que gritaram: “Sulanos”, Deputados do MPLA, alguns deles expressam bem em Umbundu; outros têm algumas afinidades com o Planalto Central. Mas, nesta lógica de “Sulano”, de ser um sinónimo de Gente do Mato, de inferioridade, da pobreza, do atraso, de matumbos e da exclusão social, os Nativos do Norte de Angola afiliados na UNITA são estratificados como tal. O mal consiste no facto de que, esta caracterização social deste fenómeno não tem o mesmo significado na Angola profunda. A interpretação do Cidadão comum tende muito mais para o sentido tribal. O que é gravíssimo! Se não tomarmos medidas apropriadas, cedo ou tarde iremos deparar-se bruscamente com situações indesejáveis. Alias, a postura deste género não realça, de forma nenhuma, o espírito da identidade nacional; pelo contrário, incentiva os focos de reivindicações que temos em Cabinda e nas Lundas. O que é condenável em termos mais fortes.

 

Pois, tenhamos todos a consciência de que, os territórios que temos hoje, que compõem Angola, foram uma Herança dos grandes Reinos do Congo, do Ndongo/Matamba, do Bailundo, do Kuanhama, dos Nganguelas e do Império Lunda-Tchokué. Trata-se dum grande mosaico multicultural heterogéneo dos Povos Bantu. Qualquer raciocínio que não tenha em conta esta realidade histórica constitui um erro gravíssimo capaz de nos levar a erguer castelos no ar. Pois, este Concerto dos Reinos, que compõem Angola de hoje, resultou da ocupação de cada um deles pelo Poder Colonial. Nenhum deles, dentre os Reinos, conquistou os outros para que se transformasse em Vassalos.


No quadro das Imunidades, ao abrigo do Nº 1 do Artigo 150º da Constituição da Republica, “os Deputados não respondem civil, criminal nem disciplinarmente pelos votos ou opiniões que emitam em reuniões, comissões ou grupos de trabalho da Assembleia Nacional, no exercício das suas funções.”


Não obstante, o Grupo Parlamentar do MPLA tem a responsabilidade política e a obrigação moral de reconhecer publicamente este acto anti-patriótico, escandaloso, reprovável e de pura cobardia intelectual, o qual não dignifica o nosso Povo. Seria do bom senso se isso acontecesse de formas a reforçarmos o espírito de reconciliação nacional, da unidade e da coexistência pacífica entre nós próprios, irmãos desavindos no passado muito recente. Em todas etapas da nossa História, a desunião foi o factor principal que sempre esteve na base das nossas fraquezas, das fragilidades do Povo Angolano contra o Poder Colonial Português. Face esta realidade concreta, seria insensato embarcarmo-nos na senda do etnocentrismo, sobretudo nesta Era moderna da Globalização do Mundo.