Luanda - Confissão. Alega-se que os réus terão confessado, a determinada altura do interrogatório, a autoria do crime que vitimou a deputada Beatriz Salucombo e o seu irmão

*Mariano Brás
Fonte: A Capital


As cartas estão colocadas na mesa e tudo indica que o ‘caso deputada Salucombo e irmão’, este, dará pano para muita manga. Na audiência da manhã desta terça-feira, apenas um dos três declarantes, que era suposto ouvir, compareceu. Trata-se do oficial operativo José Maria, também conhecido por Mau-Mau, apontado como a pessoa que deteve os supostos assassinos e, ao mesmo tempo, procedeu aos primeiros interrogatórios aos mesmos.

 

Alega-se que os réus terão confessado, à determinada altura do interrogatório, autoria do crime que vitimou a então deputada Beatriz Salucombo e o seu irmão. “Um dos réus confessou que foram eles que mataram, para roubarem o carro que tinha sido encomendado pelo Comando”, referiu Mau-Mau.


A sua denúncia, porém, contrasta com a versão apresentada pelos agora réus Samuel Sorrete ‘Puto Pisa’ e João António ‘João’, que, na audiência do dia 03 de Agosto, recusaram terem cometido o crime que sobre os mesmos impende. Na audiência daquele dia, ambos denunciaram terem sido coagidos pelos instrutores do processo. Ou seja, segundo disseram, fora submetidos a torturas para confessarem um crime que, juram a pés juntos, não terem sequer lembrança de quando aconteceu.

 

Em face disso, foi também ouvido o instrutor do processo, o inspector Adelino Kaxito, sobre quem pende as denúncias de ter torturado os agora arguidos, na fase de instrução processual, mas este negou, categoricamente, tais acusações, dizendo-se sem interesse no processo que o levasse a tal procedimento.


Quem estava também para ser ouvido nesta terça-feira é Weza Salucombo, filha da malograda deputada, que naquele fatídico dia 19 de Julho de 2009, por volta das 19 horas, presenciou a morte da mãe e do irmão desta, no caso seu tio, por isso considerada testemunha-chave do processo. Acontece, porém, que, passados dois anos, apesar do rigoroso acompanhamento psicológico, a mesma não se refez ainda do trauma provocado por tão infausto acontecimento.

 

Um outro instrutor, Sousa Nunes, convocado a comparecer àquela audiência, também não compareceu, por razões não explicadas. Ainda assim, o juiz Januário José Domingos deu continuidade à audiência, ouvindo o terceiro e último declarante, no caso o oficial operativo identificado por José Maria, o Mau-Mau, de 27 anos, que esteve envolvido na captura dos supostos assassinos, mas que é também acusado de os torturar, com vista a arrancar dos mesmos a confissão do crime.


Sobre os pormenores que ditaram a detenção dos criminosos, este  referiu que o primeiro rendido foi um indivíduo conhecido por Beto, mas que respondia também pela alcunha de Comando.


Este, segundo informações postas a circular, terá falecido na cadeia, ao longo dos dois anos em que esteve a aguardar pelo julgamento, por alegada doença prolongada. Consta que, era ele quem encomendava e comprava as viaturas roubadas pelo grupo de assaltantes, a que pertenciam Puto Pisa e João, respectivamente.

 

“Pedimos ao Comando para ligar aos seus comparsas, simulando que tínhamos dinheiro para comprar uma carrinha L200. Ele ligou para o Puto Pisa que, sem desconfiar, seguiu as orientações para um encontro numa das esplanadas, algures na rotunda do Gamek. Cercamos o local com efectivos da DPIC e apanhamos o Puto Pisa e o João”, contou, sem, contudo, especificar como foi que os mesmos tiveram o conhecimento, que aquele era o grupo envolvido no assassinato da malograda deputada e do seu irmão.


A suposta confissão

 

Presumivelmente sem recurso a qualquer método de tortura, ainda segundo Mau-Mau, Puto Pisa terá, à determinada altura do interrogatório, confessado ser seu o grupo que matou a deputada e o oficial da Polícia Nacional, para, tal como relatou, apropriarem-se da viatura em que a mesma se fazia transportar. Conta que, por sua vez, o réu João negou sempre o seu envolvimento. Além dos agora co-réus, o declarante garante que integravam ainda o bando de assaltantes, o Lito, o Dablue, o Nanhete e o Conde, todos ainda prófugos da justiça.


Entrando ao pormenores José Maria ‘Mau-Mau’, recorrendo de supostas confissões de Puto Pisa,  revelou que, no dia dos acontecimentos, o grupo estava dividido em duas viaturas. Ele (Puto Pisa) conduzia, alegadamente, uma viatura de apoio, enquanto a segunda era a chamada viatura de ataque, de onde terão partido os disparos que vitimaram Beatriz Salucombo e António das Neves.


Muita água debaixo da ponte


Das armas, o declarante recorda-se que foram encontradas, em casa de João, algures no Cazenga, uma AKM e pistola Sterling. E das viaturas, perguntou o juiz. Os peritos da DPIC, segundo ele, encontraram uma viatura do tipo RAV4 de três portas, mas garante que, pela explicação que recebeu do Puto Pisa, tratavam-se de duas. E é nesta altura, em que o advogado da família das vítimas chama por Cândida Ferreira, irmã das duas pessoas assassinadas.


Esta começou por revelar que três meses após o fatídico acontecimento, “fomos contactados por um senhor, que disse ter encontrado um RAV4 de seis portas, com duas pastas de documentos no seu interior, que na altura do assassinato haviam sido levadas pelos assaltantes”.

 

Sem identificar o nome da fonte, ela e mais alguns familiares foram ao encontro do mesmo, na companhia, tal como disse, de um elemento afectos aos serviços de informação.


“Recebemos os documentos, a viatura e entregamos à DPIC, mas espantosamente, o carro sumiu  e, por isso, nós, os familiares, acreditamos que não são estes senhores que mataram. E temos outras informações que, no momento oportuno, vamos apresentar”, prometeu Cândida Ferreira.


As suas declarações foram corroboradas por Mau-Mau, para quem tais pronunciamentos tinham alguma lógica. “Essa viatura a que a senhora se refere, pode ser a viatura de ataque que procurávamos, pois, pela experiência que tenho, os meliantes que se dedicam ao roubo de viaturas não utilizam apenas um carro”, explicou.

 

O julgamento acabou interrompido, estando marcado para o próximo dia sete de Setembro. De recordar que, tanto Puto Pisa, como João, não só respondem pelo suposto assassinato de Salucombo e do irmão, mas também por alegado roubo de três viaturas.

 

Polícia: Gato escondido?


Um pormenor viria a intrigar o juiz: por que a Polícia manteve os dois elementos detidos numa cadeia do município do Cazenga, onde decorreu também a instrução do processo, quando o crime foi cometido numa jurisdição diferente, no caso algures no município da Samba.


Mau-Mau suspirou antes de responder, sem, entretanto, convencer o juiz, que tal coincidiu com a queda do edifício onde funcionava a Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) e, por arrasto, a sua direcção provincial. “Ficaram detidos algum tempo na 12„ esquadra, porque foi no período em que o caiu o prédio da DNIC e não tínhamos uma unidade para trabalhar∫, explicou.


Sobre as possíveis torturas aos co-réus, aquele operativo não titubeou: “não batemos em ninguém, porque não é esse o nosso método de actuação”, defendeu, para mais adiante acrescentar que tal seria impossível, dado que “os dois dos detidos tinham já assumido, desde o princípio, a autoria do crime”.


E foi, nesta altura, que Puto Pisa interrompe para acusar o Polícia de estar a faltar com a verdade. “Ele está a mentir. Bateram-nos muito e, inclusive, deram-nos ainda um papel branco para assinarmos”.


Confrontado com esta contra-acusação, o juiz viu-se na obrigação de colocar ordem na sala. “O senhor não pode falar sem autorização, pois aqui há regras e não vale a pena armares-te em mais esperto”, bateu com o martelo na mesa, ao que Puto Pisa desculpou-se e mais não disse.


O advogado de defesa dos réus, Armando Ribeiro, questionou, por sua vez, a Mau-Mau por que Comando estaria algemado por altura do interrogatório. A resposta fez pronta: “em momento algum ele interrogado foi algemado”.


E explicou: “o que aconteceu é que no período da sua detenção, por uma questão de segurança, foi algemado e, quando chegamos ao piquete, tiramos as algemas, uma vez que estava a colaborar e não havia necessidade de o manter algemado”.