Luanda - Há um ano e meio, o regime de José Eduardo dos Santos adquiriu, por via de pressão multifacetada e de ameaças veladas, dois dos mais importantes jornais privados de Angola, notadamente o Semanário Angolense e A Capital.

* Carlos Duarte
Fonte: Makaangola.org


A ofensiva enquadrava-se na estratégia de manutenção do poder ad-eternum. Primeiro, o regime “secou” as fontes de receitas dos referidos periódicos, ao ter ordenado às grandes corporações estatais e privadas (maioritariamente detidas por figuras do sistema) o fim de qualquer publicidade nos dois jornais. Depois, quando a situação financeira dos jornais se agravou e já não era mais possível manter tais projectos editoriais, o MPLA, através dos seus tentáculos espalhados um pouco por toda a parte, “atacou” e ao “preço da banana” adquiriu os dois títulos que mais preocupações causavam.

 

A operação, fraudulentamente financiada pela Sonangol, estava orçada em mais de 20 milhões de dólares. Inicialmente, a verba incluía também uma “investida” para silenciar a Rádio Ecclésia e a compra de uma terceira publicação, o Novo Jornal. Os responsáveis pela operação concluíram que a aquisição do Novo Jornal, detido maioritariamente pelo Grupo ESCOM, não era prioritária. Consideravam a linha editorial do semanário como pouco incómoda aos desígnios do regime. No entanto, há três anos, segundo fontes da direcção, o jornal se encontra em sistema de auto-gestão, devido à dificuldade da ESCOM em vender a publicação.

 

Em relação à Emissora Católica de Angola, os operacionais do regime confiaram a missão de censura e desarticulação da linha editorial da Rádio Ecclésia a um grupo de padres mais zelosos. Estes são jocosamente apodados por outros padres como membros do “Comité de Acção Política (CAP) do Paço Episcopal”, numa referência às células do MPLA espalhadas velada ou abertamente em distintas instituições, estatais, privadas e não só.

 

Dos mais de 20 milhões de dólares investidos pela Sonangol, na operação de silenciamento da imprensa independente, pouco mais de três milhões de dólares foram repartidos entre os órgãos visados, de acordo com testemunhos recolhidos junto de alguns negociadores envolvidos no processo. Os responsáveis da operação e intermediários, incluindo membros dos serviços de inteligência, embolsaram o remanescente, para enriquecimento pessoal. Como todo o processo foi doloso, ninguém pediu contas a ninguém e um grupo restrito de “chico espertos” apossou-se de consideráveis recursos financeiros saídos ilegalmente dos cofres do Estado.

 

Após a realização da operação de compra dos jornais, os censores de plantão, instalados pelo SINFO (Serviços de Informação) iniciaram o processo de afastamento das penas mais incómodas. N’A Capital o “eleito” foi o colunista José Eduardo Agualusa e no Semanário Angolense o académico Fernando Macedo. Ao mesmo tempo, o torniquete da censura apertava e, por esta razão, no segundo jornal desistiram vários colunistas, tais como Maurílio Luiele (censurado e acusado de incitar a violência), Menezes de Araújo e Elisabeth Ceita Vera Cruz. O director-geral, Severino Carlos, e o seu adjunto, Silva Candembo, também bateram com a porta pelos mesmos motivos.

 

No segundo semestre de 2011, os ideólogos do MPLA, ao serviço de José Eduardo dos Santos, iniciaram a segunda fase do plano de controlo dos órgãos de comunicação social para a manutenção do poder por tempo indeterminado. Esta etapa já incide também sobre os órgão de comunicação social públicos que receberam “ordens superiores” para evitar abordar temas políticos até que se realizem as eleições de 2012. Neste momento pré-eleitoral e segundo tais “orientações” a prioridade dos órgão públicos são Cultura (preferencialmente titiquices e quejandos), Desporto e Social (pode ir da inauguração de uma simples retrete a um chafariz ou um supermercado, como aconteceu com o Kero da urbanização do Kilamba).

 

Apesar do controlo absoluto que o poder exerce sobre os órgãos de comunicação social do Estado, há 36 anos, os censores desdobram-se em novas descobertas de potenciais focos de abertura, aperfeiçoam e reforçam os métodos de censura. Por exemplo, a TPA retirou do ar o seu programa “Semana em Actualidade”, que ia ao ar às 19h30 de domingo. O debate, dirigido pelo jornalista Antunes Guanje, e no qual participavam os também jornalistas Reginaldo Silva e Ismael Mateus, analisava de forma quase irrestrita os assuntos mais marcantes de cada semana. Era o único programa não censurado e o presidente do Conselho de Administração da estação pública de TV, António Henriques da Silva, retirou-o da grelha sem dar qualquer tipo de satisfação a quem quer que fosse. Das “instâncias superiores” recebeu a “orientação” que era preciso “travar os excessos do Reginaldo e do Ismael” e agiu em conformidade.

 

O grupo de onze portugueses, liderados por Frederico Roque de Pinho, antigo jornalista da SIC, têm sido responsáveis pela alteração arbitrária de programas da TPA, bem como a sofisticação dos métodos de censura dos seus conteúdos, como tem acontecido com o “Espaço Público” e “Bom Dia Angola”. Os profissionais portugueses foram contratados pelos filhos do Presidente da República, Tchizé e Paulino dos Santos, através do Grupo de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional da Administração (GRECIA) criado pelo pai para lavar a sua imagem e a dos actos do seu executivo. Perante a resistência passiva e o descaso de muitos jornalistas estatais, os filhos do presidente, que também controlam a TPA apenas confiam nos portugueses e pouco mais para dar cumprimento à sua agenda. Investido de tal poder, Frederico Roque de Pinho tem sido regularmente ameaçado de sova por funcionários a quem usurpa competências, trata com arrogância e faltas de respeito. Com um salário de dez mil dólares mensais e todas as despesas pagas, Frederico Roque de Pinho não se coíbe de manifestar que os seus colegas angolanos são incompetentes e mal-pagos.


Na Rádio Nacional de Angola uma brevíssima análise económica semanal do jornalista Reginaldo Silva (outra vez ele) foi retirada da grelha de programas por causa do “momento especial” que se vive. Um dos mais empedernidos defensores do Eduardismo, o académico Mário Pinto de Andrade, também foi cerceado. Ele tinha um programa de análise política e mesmo exaltando, a cada intervenção, a genial clarividência do “Guia Imortal Adjunto” (entenda-se, José Eduardo dos Santos) não escapou da excomunhão. De tanta bajulação, só faltou Mário Pinto de Andrade afirmar que o ar que os angolanos respiram devem-no ao “grande estadista”.


Mas os ideólogos dos sistema não pararam por aqui. Depois de a draconiana lei sobre a internet ter ficado em “banho Maria”, muito por causa do medo de que uma tal legislação pudesse desencadear em Angola a versão bantu da “Primavera Árabe”, o governo tem investido consideráveis somas em dinheiro para contratar grupos de hackers com o fito único de atacar os sites críticos à actuação do governo. O Makaangola e Club-K são os mais visados e amiúde os atacantes bloqueiam o acesso aos referidos sítios por vários dias. O Angonotícias (de Sérgio Neto, um dos assalariados de Tchizé dos Santos e Joreon Du) também sofre ataques para passar a imagem de que a agressão é generalizada e nada tem a ver com o governo de José Eduardo dos Santos.